Guia para um final feliz

Uma das perguntas que os dois homens que ambicionam o lugar de António Costa deveriam ter feito a si mesmos durante a crise política de dezembro/janeiro poderia, à data, parecer irrisória, mas vai ganhando força como possibilidade: e se correr tudo bem, a partir de agora? Ou, como aqui alvitrei há dias, se a economia salvar António Costa da sua própria governação?

Pedro Nuno Santos, ao abandonar o governo contra a vontade de Costa e fugir ao protagonismo que a liderança parlamentar lhe teria conferido, não contemplou essa variável. Luís Montenegro, ao abster-se numa moção de censura durante a maior crise política do PS em sete anos, também não.

Ambos presumiram que o desgaste, a partir de então, seria imparável. Ambos concluíram que a situação do governo, daí em diante, só poderia piorar e não, pelo contrário, que nada de tão mau se repetiria até 2024. Nisso, aliás, não estão sozinhos. Até o Presidente da República, seguindo as paredes prediletas do seu eco, o pensa. "Marcelo Rebelo de Sousa acha difícil António Costa recuperar do clique negativo que considera ter acontecido com o caso da TAP", noticiava o Expresso há duas semanas.

Ora, o trio de pessimistas, cada um com a sua respetiva ambição - Pedro Nuno, ser líder do PS; Montenegro, ser chefe de governo; Marcelo, sair de Belém com o seu partido no poder -, equivocou-se. Para sermos justos, equivocámo-nos todos.

Em duas semanas, de Davos ao BCE, do FMI à Goldman Sachs, as previsões para 2023 foram emendadas de um cenário de recessão para um de crescimento modesto, de uma inflação galopante para uma a ir do trote ao passo. E Costa, que deu ordem de poupança às Finanças desde o início da guerra, tem neste momento estabilidade financeira em casa, uma conjuntura menos desfavorável na Zona Euro e três anos e nove meses de maioria absoluta no Parlamento.

Ninguém no seu perfeito juízo, mais ou menos crítico do Partido Socialista, deve menosprezar um governo na posse de estabilidade orçamental, política e económica. Poder-me-ão dizer, com absoluta razão, que os números não são desastrosos, mas estão longe de representar um sucesso - e é verdade. Poder-me-ão dizer que, de um ponto de vista estrutural, o crescimento prosseguirá miserável e em níveis de quase estagnação, com um salário médio cada vez mais próximo do mínimo e serviços públicos indignos para um esforço fiscal tão exigente. E não é mentira. Mas nada disso impediu o PS de ganhar todas - todas - as eleições desde que é governo, incluindo uma maioria absoluta ao fim de seis anos.

Neste contexto, somente algo de origem exógena (uma loucura de Putin, um desastre natural, uma tragédia no verão), um desenvolvimento nas investigações do Ministério Público (até março, dizem) ou um erro mais escabroso do que a indemnização de Alexandra Reis (dentro ou fora da comissão de inquérito à TAP) poderá devolver o governo ao desnorte do passado Réveillon.

Para mais do que evitar desastres, faria três coisas:
1) chamar Nélson Souza e reinstituir o Ministério do Planeamento, em ano de transição de quadros comunitários, uma figura de credibilidade e competência reconhecidas em Bruxelas e na nossa Concorrência seria um bálsamo;
2) redobrar o cuidado na gestão das medidas de apoio extraordinárias, não repetindo os deslizes ocorridos com os 125 euros e com a antecipação da meia pensão, que foram parar a quem não deviam e faltaram a quem mais precisava;
3) olhar para a transparência de outra maneira, sem questionários em forma de fait-divers, envolvendo a Assembleia e pondo termo à ideia de que para desburocratizar o Estado é preciso perder seriedade no Estado.

Isto, evidentemente, se governar em Portugal ainda for mais do que sobreviver.

P.S. ‒ Termina hoje, com esta coluna, a minha colaboração regular com o Diário de Notícias. É difícil escolher as melhores palavras para explicar o privilégio que foi escrever para esta instituição, que percorreu séculos e regimes da nossa História enquanto país. Ainda mais difícil é explicar a honra que foi, para mim, partilhar páginas com gigantes do jornalismo como a Valentina Marcelino e o João Pedro Henriques, com quem aprendo cada vez que os leio. É verdadeiramente impossível agradecer suficientemente à direção que me convidou e concedeu esta oportunidade, na pessoa da Rosália Amorim. Foi, muito simplesmente, a maior honra do meu percurso profissional.

Obrigado.

Colunista

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