Grada Kilomba

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Grada Kilomba é uma das mais internacionais artistas portuguesas, com obra exposta em múltiplos países. É professora na conceituada universidade alemã de Humboldt em Berlim. A sua obra tem reflectido temas importantes da sociedade portuguesa contemporânea como o passado colonial e o racismo actual. Temas que estão na ordem do dia nas sociedades ocidentais mas que em Portugal suscitam reacções extremadas, racistas e provincianas de alguns pseudo-intelectuais nacionalistas.

A sua aclamada obra de grande escala O Barco que esteve este ano em exposição no MAAT foi pública e orgulhosamente vandalizada por membros de um grupo de extrema-direita sem que as autoridades interviessem. Em contraponto a sua última exposição em Nova Iorque foi muito bem recebida pela crítica e, claro, não foi vandalizada, nem extremistas se empoleiraram nelas para proferir os seus discursos de ódio.

Recentemente realizou-se um concurso para a constituição da delegação nacional à bienal de Veneza uma das mais importantes montras das artes contemporâneas. Todos os países procuram levar os seus melhores artistas, os mais inovadores, os mais originais, todos enviam o que de melhor têm para mostrar internacionalmente.

Grada Kilomba apresentou-se como outros artistas a concurso. Foi rejeitada com os argumentos mais estapafúrdios e inverosímeis. Escreveu-se que o seu "mérito não era satisfatório". Incrível. Quando os argumentos são deste teor levantam-se inevitavelmente suspeitas de outras razões e aversões.

Em Portugal este tipo de júris são em geral constituídos por pessoas sem profundidade de pensamento, sem experiência internacional, sem visão do interesse nacional, e incluem mesmo aqueles que colocam os seus interesses, ideias políticas e preconceitos à frente de uma análise desapaixonada e sagaz das obras. Assim foi que um autor medíocre rejeitou Saramago que pouco depois foi galardoado como o Prémio Nobel da Literatura o único que um português recebeu ao longo de mais de 100 anos de atribuição desta prestigiada distinção. O júri Nobel, que provavelmente não teria simpatias comunistas, soube pôr de lado divergências políticas e julgou no que lhe cabia: a obra literária.

Infelizmente por cá esse profissionalismo, essa independência, esse julgamento imparcial parece não estar ao alcance de muitos jurados, aprisionados em rejeições preconceituosas, em aversões pessoais e, não poucas vezes, invejas sem sentido.

Também recentemente um canal de televisão descontinuou, sem que se percebesse porquê, um excelente programa denominado Jantar Indiscreto de Myriam Taylor, que vinha obtendo uma audiência considerável na RTP2. O programa refletia sobre importantes temas sociais, exemplificando-os na primeira parte e depois discutindo-os num painel de quatro pessoas na segunda parte.

Em ambos estes casos estamos em presença de projetos de mulheres Negras e em ambos o sistema institucional, com os seus júris, jurados, diretores de programas, com os mais variados e sofisticados discursos e desculpas, optou coincidentemente pela homogeneidade, pela falta de diversidade e por impedir estes projetos de crescer e de se afirmar.

É a estas repetidas coincidências que alguns autores chamam racismo institucional, que não é atribuído ao preconceito de um indivíduo mas sim à falta de mecanismos que assegurem a igualdade, a diversidade e a equidade. Este tipo de racismo não pode ser ultrapassado pela exclusão, embora esse afastamento ajude a melhorar a situação, deste ou aquele mas por uma mudança de regras e de mecanismos que as façam cumprir que evitem que estas coincidências se repitam com uma frequência perturbadora.

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