Gouveia e Melo é fiável?

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A apresentação oficial da candidatura de Gouveia e Melo à Presidência da República mostrou, nas nossas televisões, uma vasta corte de aduladores do almirante, que faz lembrar as caricaturas queirosianas e camilianas do século XIX: um batalhão de burgueses bajuladores e um pelotão de políticos oportunistas que sentem ali o cheiro a poder e tratam de se mostrar rapidamente ao lado de quem parece estar à beira de influenciar muita coisa no futuro próximo deste país.

Um vídeo introdutório apresentou o candidato como sendo um homem “rigoroso” e “muito disciplinado”, o que é contraditório com tudo o que ele fez na aplicação dessa mesma disciplina e rigor aos marinheiros do NPR Mondego que recusaram cumprir uma missão, por o navio não estar em condições de navegar. Gouveia e Melo abriu processos disciplinares, depois de os humilhar publicamente frente às televisões, sem cumprir o rigor da lei, nem as regras da disciplina que ele próprio teria de cumprir para aplicar sanções a subordinados e, no final, passou pela vergonha de os tribunais anularem as suas decisões. Ele diz que se quer dar ao respeito, mas não respeita o que devia respeitar.

Temos, portanto, um homem que parte como favorito à vitória eleitoral nas próximas Presidenciais, que deliberadamente se apresenta como um reverso do atual Presidente da República, que se autoproclama “diferente” e “estável” (expressões utilizadas, suponho, para insinuar que Marcelo Rebelo de Sousa é instável), mas que comprovadamente atua de forma voluntarista e precipitada, como o caso com os marinheiros comprovou.

Mas há, pelo menos, mais um exemplo.

Lembro-me, quando ele se tornou célebre ao tomar conta do processo de vacinação durante a pandemia de covid-19, de ele ter insultado e exigido penalizações a uma responsável da Administração Regional de Saúde no Porto que decidiu dar vacinas a quem, simplesmente, aparecesse, porque as que tinha disponíveis, estavam a perder o prazo de validade e não era possível cumprir o plano delineado. Esta decisão, de puro bom senso, foi interpretada por Gouveia e Melo como um desafio à sua autoridade e pediu a cabeça dessa pessoa - ele preferia que as vacinas fossem para o lixo.

Ao mesmo tempo, tratou no seu discurso de ontem de atacar os partidos políticos, embora de forma indireta, acusando-os de tomarem “más decisões” ou de não decidirem. Cito a frase-chave dessa parte da sua intervenção: Portugal vive “o adiar permanente do futuro. A falta de coragem para fazer o que tem de ser feito.”

O problema é que, a seguir, ele não consegue definir, afinal, o que é que acha que deve ser feito. O melhor que conseguiu foi desejar “um país onde os jovens tenham futuro; onde os mais velhos descansem com dignidade; onde ninguém seja pobre por destino ou falta de oportunidade; onde a Saúde, a Habitação e a Educação sejam direitos e não privilégios; onde a Cultura seja central; e onde o Ambiente seja um compromisso entre gerações”… Mas não é isso que todos os partidos, todos, dizem que querem fazer?

Este homem, de que tanta gente gosta, no pouco que já nos mostrou, não parece fiável e não parece viável.

Jornalista

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