G5-Sahel: da Barkhane à Takuba
Em rigor, o início deste processo é espoletado pela morte e o fim do regime Kadhafi, consequência da Primavera Árabe. Com o fim da "República de Kadhafi", os seus mercenários regionais perderam o emprego e regressaram a casa com muitas ideias, projectos e algumas caixas com armamento e dinheiro.
Um desses grupos foi a sua guarda pretoriana tuaregue que, no regresso ao Mali, na ânsia por um Azawad independente, estabelece uma aliança antinatura com os islamistas do Ansar Eddine, um dos membros integrantes da nebulosa Al-Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI). É aqui que começa o processo, na cavalgada que o laico Movimento de Libertação Nacional de Azawad (MNLA) fez em conjunto com os islamistas do Ansar Eddine rumo a sul, à capital Bamako, entre abril e dezembro de 2012. O então presidente Hollande decide iniciar 2013 com uma intervenção musculada e ad hoc, para impedir que estes independentistas passassem para a margem sul do rio Níger, a partir do posto avançado em que já se encontravam.
A batalha de Konna (10 de janeiro), nome da cidade "avançada" e a que mais a sul fora conquistada pela aliança MNLA/AQMI, marca o início da Operação Serval (11 de janeiro), cujo objectivo era impedir a constituição de um califado africano. O título "da Barkhane à Takuba", em rigor, deveria ser "da Serval à Takuba", pois a missão central da futura Takuba será a mesma da Serval, transferida depois para a Barkhane. Ou seja, impedir a constituição de um califado em África!
Porque é que insisto neste ponto?
Porque o grande mal-entendido criado nas populações do Sahel, nomeadamente no Mali, durante o decorrer da Operação Barkhane, tem precisamente raiz no não entendimento deste ponto de partida. Naturalmente que há uma urticária local inerente à presença de fardas do ex-colonizador em território do ex-colonizado libertado, o que maximizou as queixas das populações, que preferiam uma missão de defesa e apoio às mesmas, em vez de uma missão de caça ao islamista terrorista. Ora esse papel cabe precisamente aos exércitos locais, o que nos transporta para outro mal-entendido consequente. A falta de entendimento e coordenação entre exércitos locais e os outros, de maioria francesa. Ou seja, a urticária sobrepôs-se ao interesse nacional!
Normal, os exércitos são humanos e têm uma memória que perdura para além dos seus actores principais. Mas também será normal que, a caminho da terceira missão de tentativa de estabilização da região, os locais vejam na Takuba uma missão mais preocupada com a segurança europeia do que com a segurança de quem lá vive. Essa é a missão dos seus exércitos, dos seus dispositivos de segurança interna aliás, treinados pelos europeus que por lá passam e que nunca lá ficam! Mais, a "cabeça da Takuba" tem sido transparente ao afirmar que o destacamento é de Operações Especiais, indicando que a caça ao islamista terrorista vai prosseguir, com o objectivo final de impedir a criação de um califado em África, missão que deverá ser complementada com a protecção às populações e ajuda ao desenvolvimento local/regional, levado a cabo pelos exércitos locais.
Fundamental para o africano será perceber que o homem branco não dá nem empresta nada, vendo aliás tudo como um investimento no curto e no médio prazo, que lhe permita, para já, assistir às olimpíadas em sossego, enquanto se comove ao perceber que existe uma Equipa Olímpica de Refugiados!
Politólogo/arabista
www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia