Futuro incerto dos cristãos sírios
"Nos seus discursos, Ahmad Al-Charaa diz-se contra as divisões confessionais e a vingança. Mas, na realidade, a violência está sempre presente no terreno”, alertava, numa reportagem no jornal Le Monde, o arcebispo católico de Homs, Jacques Mourad. A cidade, a meio caminho entre Damasco e Alepo, é das mais diversas religiosamente da Síria e, por isso, considerada um teste àquilo que pretendem as novas autoridades , herdeiras dos grupos rebeldes que em dezembro puseram fim a meio século de ditadura da família Al-Assad.
Mourad goza do prestígio de ser uma figura que não pactuou com o antigo regime em nome da proteção deste às minorias religiosas, e talvez até tenha sido isso que o salvou em plena Guerra Civil, quando chegou a ser sequestrado por jihadistas. Hoje o seu discurso, um apelo na realidade, é que as pressões diplomáticas do Ocidente se centrem menos na questão da proteção das minorias e mais na defesa da criação de um Estado de Direito.
Al-Charaa, líder do Hayat Tahrir Al-Shams (HTS), o principal grupo rebelde, foi agora designado presidente interino e prometeu uma nova Constituição para a Síria. Ele próprio com um passado jihadista, tem procurado dar uma imagem de moderado tanto para dentro do país, como para fora de fronteiras. Se o apoio do mundo islâmico lhe é vital - seja da Turquia que o apoiou na ofensiva a partir da Província de Idlib e a qual já visitou, seja da Arábia Saudita que escolheu logo como destino da primeira viagem ao estrangeiro -, também o levantamento das sanções ocidentais é importante para a recuperação da economia síria, de rastos devido a uma Guerra Civil que vinha de 2011, iniciada no contexto da Primavera Árabe.
Dois terços dos sírios são árabes muçulmanos sunitas e em grande parte viram com bons olhos a fuga de Bashar Al-Assad para a Rússia. A queda inesperada do regime terá resultado da necessidade de os aliados russos concentrarem esforços na Ucrânia e das perdas em combate de outro aliado, o Hezbollah libanês, atacado por Israel.
Mas se também muitos sírios pertencentes às minorias se felicitaram pelo fim de um regime brutal, a verdade é que alauitas, cristãos e drusos temem pelo futuro, dada a ideologia do HTS. Há notícias de incidentes graves sobretudo com alauitas, ramo do Islão xiita que congrega um décimo dos sírios, mas é difícil de distinguir o que são represálias contra apoiantes de Al-Assad, ele próprio alauita, e o que é ódio religioso.
Outra minoria com uma difícil relação com o novo poder em Damasco são os curdos, sunitas, mas neste caso por serem vistos como separatistas e estarem igualmente na mira dos turcos, que os acusam de ligações aos grupos separatistas curdos da própria Turquia.
À comunidade internacional pede-se que esteja especialmente atenta à evolução na Síria. Uma Constituição em três anos e eleições dentro de cinco, como defendido por Al-Charaa, permite ter algumas dúvidas sobre a vontade real de criar o tal Estado de Direito.
No que diz respeito aos cristãos - que, divididos por várias igrejas , representavam 10% dos 22 milhões de sírios de antes da Guerra Civil -, o risco é que, não sendo vistos como um inimigo das novas autoridades, se exilem mesmo assim por falta de segurança e de perspetivas.
O exemplo do sucedido no vizinho Iraque depois da queda de Saddam Hussein não é animador: calcula-se que sejam 150 mil, quando em 2003, ano da invasão americana que levou à mudança de regime, seriam mais de um milhão.
Diretor-adjunto do Diário de Notícias