Futebol, uma questão de género

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O que é que une as pessoas? Música, comida e futebol. São forças capazes de movimentar os fãs e de arrastar até quem não se declara simpatizante à partida, mas vai pelo convívio, pelo entusiasmo e pela emoção. Habituámo-nos a chamar “heróis nacionais” a homens que marcam golos - ou que os defendem - magistralmente, porque naquela vitória está Portugal.

Também eu sou contagiada por essa energia, mas nunca abandono as lentes do género e, por isso, pus-me a pensar: quando é que teremos um país inteiro a parar em frente à televisão para ver um grupo de mulheres a arrasar no futebol? O objetivo não é atribuir-lhe qualquer culpa, caro leitor, que acredito que até queira que haja mais equipas pelas quais vibrar. A culpa é daquela sentença que tramou as mulheres desde cedo, que se chama desigualdade.

Foi só em 1972 que o presidente Nixon assinou uma lei que determinava a igualdade de género na Educação como um direito civil e, assim, proibia a discriminação de género nas atividades desportivas nas escolas. No Brasil, em 1941, o presidente Getúlio Vargas assinou um decreto-lei que proibia as mulheres de praticarem futebol. Dizia-se no artigo 54.º: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições da sua natureza (...)”, pressupondo o futebol como um desporto violento e referindo-se à “natureza” feminina assente nas funções biológicas e na capacidade de reprodução. Só em 1979 a proibição foi revogada e só quatro anos mais tarde a modalidade foi regulamentada.

Esse atraso tem consequências até hoje: a jogadora brasileira Marta já foi eleita por seis vezes como a Melhor Jogadora do Mundo, joga na Liga Americana no Orlando Pride e recebe cerca de 400 mil dólares americanos por ano, o que dará por volta de 370 mil euros. Neymar receberá 100 vezes mais que Marta, e Cristiano Ronaldo, também eleito por várias vezes como o Melhor Jogador do Mundo, receberá cerca de 200 milhões de euros por ano no Al Nassr (incluindo direitos de imagem e acordos comerciais). É esta a disparidade.

Nos últimos dias soubemos também que a portuguesa Kika Nazareth, aos 21 anos, irá do Benfica para o Barcelona, que pagou cerca de 500 mil euros pela transferência - a maior de um clube português no futebol feminino, ainda assim longe dos milhões ouvidos habitualmente. O primeiro Campeonato Mundial de Futebol masculino foi em 1930, já o feminino, oficial, foi em 1991.

A diferença no ponto de partida é abismal, e isso influencia o interesse e negócio envolvidos. O desamor das raparigas por este desporto começa nas famílias que não incentivam o gosto. Começa naquelas aulas de Educação Física, quando são as últimas a serem escolhidas pelos que estão a constituir as equipas. Em 2025 há Europeu Feminino - será uma ótima ocasião para juntar a família em frente à TV.

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