Fronteiras que unem
O que julga ter atravessado os espaços
Não saiu do seu lugar.
José Tolentino Mendonça,
“Eclesiastes”
Teoria da Fronteira (2017)
Esta semana decorreu em Lisboa uma importante conferência promovida pela Rede Nacional Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN – Sustainable Development Solutions Network) que trabalha sob os auspícios das Nações Unidas. Esta rede, já existente em muitos países, mas que só em 2023 se constituiu em Portugal, tem como objetivo mobilizar universidades, laboratórios de investigação e outras estruturas de produção de conhecimento para identificar e desenvolver soluções globais e locais que respondam aos desafios mais críticos que enfrentamos. A ideia de rede e ação concertada é central neste projeto e, por isso, a OEI integra o seu Conselho Consultivo. Acreditamos que a cooperação e o conhecimento são fulcrais para o nosso futuro comum, como ficou demonstrado pelos exemplos de São Tomé e Príncipe (estudos para a preservação da biosfera) ou de Moçambique (centro de investigação sobre alterações climáticas).
Como contributo para os temas da Cimeira do Futuro das Nações Unidas, a realizar em setembro próximo, a Conferência de Lisboa teve como um dos seus principais objetivos debater os modelos educativos, interrogando as razões por que os sistemas de educação não promovem a aceleração de transformações sistémicas necessárias para o desenvolvimento sustentável. Da enorme riqueza das intervenções, destaco a proposta de uma aprendizagem que tenha em consideração a permanente mudança com que os mais jovens se confrontam (bom ponto de partida para o debate pode ser o soneto de Camões, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”). Se há poucas décadas as nossas vidas em comunidade eram previsíveis (o que estudar, como aprender, o que comer, onde trabalhar), alguns vivendo toda a vida sem sair do mesmo lugar, atualmente, a mudança vem ter connosco pelos mais diversos meios e até mesmo as letras das canções da Taylor Swift podem ser um fio condutor para o conhecimento.
O casal Beverly e Etienne Wenger-Trayner, autores de Aprender para Fazer a Diferença (Learning to Make the Difference), entre muitas outras obras, apresentaram a aprendizagem como um processo em que vamos mudando quem somos, insistindo na relevância de multiplicar as experiências para que cada um encontre o seu caminho e consiga ser o melhor naquilo que escolhe.
A importância de conviver com novas experiências levou-me a refletir sobre as Escolas Interculturais e Bilingues de Fronteira, um projeto entre Portugal e Espanha, que começou a ser delineado em 2019, com a participação de três Comunidades Autónomas (Andalucia, Extremadura, Castilla-León), a que este ano se juntou a Galiza, envolvendo mais de 100 professores e quase 1500 alunos dos primeiros anos de escolaridade. Em 2005, a OEI havia lançado um projeto de Escolas de Fronteira entre Brasil e Argentina que mais tarde se estendeu ao Uruguai, Paraguai e Venezuela, em que os professores atravessavam as fronteiras e trocavam de escola uma vez por semana. O projeto entre Portugal e Espanha, iniciado por fim em 2021, visava estabelecer pares de escolas trabalhando em projetos conjuntos a partir de temas comuns, envolvendo alunos e comunidades educativas dos dois lados da fronteira. Mais do que a mútua aprendizagem das línguas, o objetivo consistia em promover o conhecimento mútuo e a partilha de experiências. A pandemia tornou necessário encontrar novos meios de formação e as reuniões de trabalho passaram a realizar-se “aos quadradinhos”, como alguém as descreveu. A surpresa chegou quando nos reunimos em meados de 2022 para a apresentação dos resultados: professores e alunos tinham de facto destruído as barreiras que ainda se erguiam e apresentaram projetos em que os dois lados se (re)descobriam nos rios, no Carnaval, na flora, na fauna, nas canções, nas histórias seculares, nos monumentos que já pertenceram a um lado e outro. Este ano, em Xinto de Limia, na Galiza, repetiu-se a magia e chegaram mais encontros, mais descobertas na maior fronteira da Europa que já não divide (como num doloroso passado de perseguições e morte) e afinal une. A alegria dos mais pequenos pela descoberta é um bom sinal de uma aprendizagem para fazer a diferença. Num tempo em que se reerguem os muros, nada mais saboroso que contribuir para os destruir através de um projeto educativo.