Foi talvez um dos jogos mais memoráveis de sempre da seleção portuguesa de futebol masculino e faz hoje precisamente 18 anos que aconteceu. Escrevo sobre os oitavos de final do Mundial de 2006, que decorreu na Alemanha. Portugal e Países Baixos disputaram a passagem à fase seguinte, um “mata-mata”, para relembrar o selecionador da altura, o brasileiro Scolari. O encontro entre as duas seleções contou com uma verdadeira chuva de estrelas do futebol da altura, como Figo, Maniche, Deco, só para mencionar o lado português. E por lá já andava um tal de Cristiano Ronaldo, que saiu lesionado depois de uma entrada duríssima do neerlandês Khalid Boulahrouz. E essa foi mesmo a toada do jogo, cabeçadas, empurrões, estaladas e discussões entre jogadores, de tal forma que ficou para a “história” do futebol como a “Batalha de Nuremberga” e como um dos jogos mais violentos de Mundiais. Mesmo para quem não segue estas coisas do futebol vale a pena ver o resumo do jogo no YouTube e perceber a intensidade do que aconteceu. Foram 16 cartões amarelos e 4 cartões vermelhos (todos por acumulação de amarelos), dois para Portugal (Costinha e Deco) e dois para os Países Baixos (Boulahrouz e Van Bronckhorst). Um verdadeiro campo de batalha nas quatro linhas que levou os adeptos ao rubro. Ninguém que seguiu o jogo ficou indiferente ao que se passava na Alemanha, provocando comentários inflamados e nada independentes a favor das suas equipas. E qual seria um dos locais menos aconselhável a um português para ver este jogo? No meio de fanáticos adeptos dos Países Baixos. Precisamente onde eu estava! Em Amesterdão - onde vivia na altura -, num bar logicamente pejado de adeptos vestidos dos pés à cabeça de cor de laranja (a cor da família real dos Países Baixos) e de cerveja em punho. Eu era o único português e o jogo foi tão emotivo que a exaltação transpôs-se para aquele lugar. A minha “sorte” foi estar vestido com a camisola alternativa da seleção portuguesa, de cor preta, e poucos perceberam de que lado estava, pelo menos até ao golo de Maniche que deu a vitória a Portugal por 1-0 e provocou a eliminação da seleção neerlandesa. Foi difícil conter-me num jogo tão intenso. No final ouvi umas bocas que consegui decifrar (os palavrões são sempre a primeira coisa que aprendemos numa língua estrangeira, certo?) e ainda respondi, estupidamente. Saí do local o mais depressa possível, levado à razão pela amiga holandesa com quem estava. Saí exaltado e indignado. Um disparate. À medida que as horas foram passando, fui acalmando e percebendo o quão parvo tinha sido e o quão mal aquilo podia ter corrido para o meu lado. E pensei como nos transformamos em certas situações, sobretudo quando somos emigrantes e o futebol vem à baila - até se crê que o filósofo e escritor Albert Camus tenha dito: “Tudo o que eu sei sobre a moral dos homens devo-o ao futebol.” Isto para dizer que quando observo na televisão os emigrantes portugueses espalhados pela Europa que percorreram centenas de quilómetros para verem jogar a sua seleção, vestidos de encarnado e verde dos pés à cabeça, exaltados com o nome do país e a elevar o nome dos jogadores até à estratosfera, identifico-me. É apenas uma forma de mostrar o sentimento de ser português, que fica exacerbado, positivamente, quando vivemos “lá fora”. Costumo dizer que depois de dois anos a viver no estrangeiro fiquei melhor português e com uma noção mais exata que muitas das minhas atitudes e hábitos serem de uma certa forma únicas porque nasci e cresci em Lisboa. Para o bem ou para o mal. E como uma vez observou um amigo francês a viver em Portugal, nós, portugueses, temos uma característica curiosa: passamos muito tempo a dizer mal do país e de nós, mas ai de um estrangeiro que o faça! Aí, o patriotismo e orgulho português vem logo ao de cima.Ora, Portugal continua a ser um país de emigrantes e a grande razão para tal ainda acontecer é a mesma de sempre: a busca por melhores empregos, com melhores ordenados e uma vida melhor. A exata razão pela qual chegam imigrantes a Portugal. Por isso mesmo não consigo entender (nem admitir) que exista em Portugal quem seja contra a imigração, venha ela de onde vier. Não consigo conceber que um povo que tem familiares próximos em França, na Suíça, no Luxemburgo ou no Brasil, só para dar exemplos, siga o o discurso do “vai para a tua terra!”. Já se refletiu o quão incongruente isso é? Gente que procura o nosso país para trabalhar e ser mais feliz devia orgulhar-nos, não o contrário. Os que votaram no Chega e que publicitam esse discurso anti-imigração deviam pensar nos seus familiares, nos que andam “lá fora” a ganhar a vida, seja na construção civil ou na administração de uma multinacional. Será que não pensam nisso quando veem as tais imagens dos emigrantes eufóricos com a seleção? Felizmente, a grande maioria dos portugueses não vai atrás dos berros de Ventura.A democracia e a liberdade (e o bom senso) continuam a golear as ideias estapafúrdias dos extremistas.