Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos

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No início de uma das suas mais conhecidas obras, História em Duas Cidades, o novelista inglês Charles Dickens abre com um longo parágrafo onde compara a sabedoria e a loucura, a crença e a  dúvida, a luz e a escuridão e esperança e o desespero. E a mesma aflição aplica-se às democracias liberais e cosmopolitas deste nosso conturbado séc. XXI. 

Um século que começou com o choque de vermos na televisão os aviões voarem contra as Torres Gémeas na baixa de Nova Iorque num solarengo dia de fim de verão, destruindo uma década de cooperação e de multilateralismo onde muitos dos problemas comuns a toda a humanidade pareciam estar em vias de resolução e onde alguns mais otimistas pensaram que o direito internacional e a diplomacia poderiam substituir a guerra e o conflito. 

Um século em que a globalização e a integração da economia permitiram que milhões de pessoas conhecessem uma vida melhor nas regiões onde o desenvolvimento económico e a dignidade social mais tardavam a chegar e que atravessou uma das mais graves crises económicas que há memória, destruindo os fluxos de bens, serviços e capitais e mostrando que ao lado dos que ganharam, outros havia que perderam. 

Um século onde fomos todos vítimas de um inimigo microscópico e onde a ciência, em colaboração e parcerias um pouco por todo o mundo, conseguiu encontrar uma resposta em tempo recorde mas em que os Estados mostraram a sua face mais egoísta e cuidaram apenas de uns, esquecendo os outros. 

Um século onde as guerras e os conflitos continuaram a ceifar vidas um pouco por todo o lado, e onde vimos um país ignorar o direito, a justiça e os princípios do multilateralismo, sem se preocupar com o lugar relevante que ocupa na estrutura da Organização das Nações Unidas, e invadir um vizinho dando origem a um redesenhar de alianças e de coligações que podem lançar-nos numa nova era de confrontação ideológica, económica e militar. 

Um século onde a tecnologia nos permite chegar ao conhecimento humano e a estabelecer pontes e ligações com pessoas em qualquer parte do mundo mas que tem servido também para alimentar ódios e desconfianças, ignorância e medos. 
Um século em que a ciência e a natureza nos dizem que teremos que mudar muitos dos nossos hábitos se quisermos reencontrar o equilíbrio com o ecossistema do planeta, mas que continuamos como se nada se passasse. 

Um século onde neste ano de 2024 metade da humanidade foi chamada a votar mas onde vemos as nossas democracias incapazes de encontrar as respostas para os problemas das pessoas e estas optarem por quem muito lhes promete mas pouco lhes dará. 

Estamos numa encruzilhada entre o melhor dos tempos e o pior dos tempos. Dependerá de nós escolher por qual dos caminhos iremos seguir.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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