Foco a montante

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Nos últimos dias a palavra produtividade tem estado no foco. A economia portuguesa precisa de crescer para possibilitar melhor qualidade de vida no país, logo é preciso aumentar a produtividade. De facto, margem de crescimento existe. Segundo a Eurostat, em 2022, a produtividade em Portugal, encontrava-se consideravelmente abaixo da média da União Europeia, tal como, a produtividade por colaborador e por hora de trabalho.

O principal ativo para o aumento da produtividade e para o crescimento da economia são as pessoas. As que se encontram em idade ativa são os principais motores de desenvolvimento do país e, portanto, o bem mais precioso que precisa de ser protegido. A verdade é que as pessoas são a área de negócio transversal a todos os setores, são uma preocupação comum. Nesse sentido, quando se comenta o aumento da produtividade é imperativo que surja logo a questão, como colocar as pessoas a produzir melhor, com maior eficácia e eficiência. E esta resposta não está apenas e necessariamente nos impostos nem nos salários.

Por outro lado, segundo a Ordem dos Psicólogos Portugueses (2023), dois em cada cinco colaboradores têm problemas de saúde mental e o absentismo pode representar 4% do PIB dos países industrializados. É um bom indicador para, ter em consideração, quem pretende aumentar a produtividade e melhorar a economia. É urgente que o debate saia dos números para a realidade. As contas efetivamente são com números, mas esses números representam pessoas, a desempenhar funções, a realizar processos e a ter interações entre elas e com o ambiente.

Outro foco dos últimos dias tem sido os problemas do Sistema Nacional de Saúde, que não consegue dar resposta às necessidades da população. De acordo com o mesmo estudo publicado pela OPP (2023), o stress laboral aumenta a probabilidade de problemas cardiovasculares, doenças físicas, entre outras. Estamos a perder dinheiro e recursos continuamente. É importante aumentar os recursos no SNS mas o foco também tem de estar a montante, ou podemos estar sempre a correr atrás do prejuízo. Portugal precisa de respostas de saúde a diferentes níveis. Efetivamente vamos sempre precisar de ter uma boa rede para intervenção secundária e terciária, mas se pudermos evitar recorrer a esses serviços, prevenindo, ganhamos todos.

Queremos estar na vanguarda, mas continuamos com as mesmas soluções, os mesmos debates, sem visão de futuro. A prevenção é o caminho com maior sustentabilidade e retorno financeiro. Olhando a montante do trabalho, temos o ambiente perfeito para começar a trabalhar na prevenção, de forma transversal. A escola é um ambiente comum a todos, independentemente de estratos sociais ou escolhas profissionais. Por isso, é preciso continuar a apostar nas nossas escolas: na adaptação do sistema de ensino, na alocação de mais psicólogos escolares, na capacitação e valorização dos professores e auxiliares e na promoção de competências socioemocionais. Aqui está a futura força de trabalho, a que queremos evitar que fique doente e que tenha mais competências para trabalhar melhor (não mais).

O trabalho está no início de uma inevitável revolução. A pandemia apenas acelerou o que a nossa resistência à mudança naturalmente dificulta. É fundamental olhar para os processos, otimimizá-los e mitigar riscos para estas populações. A área da saúde mental em contexto de trabalho, nomeadamente a avaliação de riscos psicossociais, ainda é uma zona cinzenta. E aqui está a nossa força atual de trabalho, os que podem fazer a economia crescer nos próximos quatro anos. Não há milagres, nem aumentos de produtividade quando não se está satisfeito no local de trabalho, muito menos com níveis elevados de presentismo e absentismo. A prevenção e a promoção de saúde mental, em contexto de trabalho, que devia de ser um tema, ainda é uma ideia vaga. Todos sabemos que é preciso, mas não é claro o que é necessário fazer nem como. É uma reforma urgente.

De facto, temos objetivos e problemas identificados há anos. Continuamos é no mesmo foco, colocar pensos rápidos! Quando o foco da intervenção for a montante do surgimento dos primeiros sinais de alerta, ganhamos todos: pessoas, organizações e sociedade.

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