Falta de democraticidade ou pura batota
Em Portugal, a Ordem dos Advogados (OA) é pilar essencial na regulação, supervisão e representação da advocacia, assegurando a autonomia e a dignidade dos profissionais nela inscritos, indispensáveis ao Estado de Direito. A independência do exercício forense constitui um elemento vital para salvaguardar direitos fundamentais, evitar pressões externas e garantir o bom funcionamento do Sistema de Justiça.
Contudo, a recente marcação de eleições antecipadas pela bastonária, aliada à introdução de formação obrigatória e paga, desperta sérias apreensões quanto à preservação da independência institucional e ao cumprimento rigoroso do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA). Impõe-se à OA não só a defesa da classe face a ingerências externas, mas também a garantia de transparência, legitimação democrática e absoluto respeito pelas normas vigentes.
A controvérsia em torno das eleições antecipadas suscita dúvidas sobre a sua regularidade e legalidade. Apesar de o EOA prever a realização de sufrágios entre 15 e 30 de novembro, conferindo ao bastonário a faculdade de fixar a data nesse intervalo, qualquer desvio a este período exige a intervenção do Conselho Superior, conforme previsto no artigo 44.º, n.º 1, alínea f) do EOA. O desrespeito por esta regra estatutária pode acarretar a ilegitimidade dos órgãos eleitos, abalando a confiança no processo democrático interno e, no limite, pôr em causa o próprio funcionamento e legitimidade da associação profissional.
A tentativa de concretizar eleições fora do prazo legal, desprovida de sólida justificação, compromete a integridade e a equidade do ato. Sendo a OA constituída por juristas, espera-se dela rigorosa observância do princípio da legalidade. Quando os seus próprios dirigentes não honram este imperativo, a credibilidade institucional e a coesão da classe são afetadas, enfraquecendo o papel da Ordem enquanto guardiã dos valores profissionais.
Face a tais circunstâncias, urge recordar a importância de uma advocacia livre, independente e rigorosamente fiel ao ordenamento jurídico. A memória de insignes advogados portugueses recorda-nos a exigência de firmeza ética, excelência interpretativa e respeito intransigente pela lei.
Neste contexto adverso, a OA deve restaurar a confiança, fomentar o debate interno e cumprir escrupulosamente o EOA, reafirmando-se como garantia de legalidade, dignidade e unidade para toda a profissão. Apenas assim se evitará que a advocacia sucumba a manipulações ou atropelos ao Estado de Direito, assegurando o seu papel essencial na defesa de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e da comunidade em geral.