Falar verdade
É sabido que nos encontramos confrontados com uma situação internacional difícil.
A Europa encontra-se em guerra, a economia mundial irá sofrer as consequências da subida das tarifas decretadas por Trump, os países europeus conhecem uma conjuntura de relativa estagnação das respectivas economias, as correntes nacionalistas exacerbadas têm alguma relevância nos tempos em que vivemos, enfim, estamos longe de podermos encarar o futuro com um “sorriso rasgado”.
Muito embora não desistindo de um optimismo contido, deve procurar-se ser realista.
Existe, desde logo, uma prioridade para qualquer europeu empenhado na defesa da Democracia e da Liberdade, a saber, o reforço das despesas com a área de Defesa.
Estar contra este desiderato é estar, na prática, a favor do capitulacionismo em relação aos perigos totalitários que nos condicionam, a começar pela Rússia e pela China e a acabar, eventualmente, em algum ex-aliado.
Esta é a verdade, “nua e crua”.
Ora, apresenta-se necessário conciliar o inevitável aumento da despesa com a área da Defesa com uma boa gestão das Finanças Públicas.
Infelizmente, sectores da “classe política” têm manifestado algum receio em falar sobre este assunto. Falam pouco e quando falam sentem logo a necessidade de adiantar que o aumento da despesa com a sobredita área não poderá implicar quaisquer sacrifícios sociais para os nossos cidadãos.
Estranha forma de solidariedade para com o povo ucraniano que tem vindo a conhecer dezenas e dezenas de milhares de mortos que dão a vida pelo seu País, mas também por uma Europa Livre e Democrática.
“Estamos convosco, mas desde que tal não implique sacrifícios”. Trata-se de um princípio pouco honroso para ser adoptado com convicção pelos europeus.
Ora, regressando ao reconhecimento da evidência da necessidade de aumentarmos as despesas com a defesa e de continuarmos a gerir as Finanças Públicas com sentido das responsabilidades, dificilmente poderemos, no presente contexto, baixar significativamente os impostos, aumentar substancialmente os salários e reduzir os horários de trabalho.
Trata-se de uma combinação de medidas que só faria sentido se existissem boas perspectivas de expansionismo da economia internacional e nacional, o que está longe de corresponder à realidade. A adopção desse conjunto de medidas iria, seguramente, afectar a nossa capacidade competitiva externa.
Baixar substancialmente os impostos e subir salários vai, em teoria, aumentar o consumo interno, mas não , necessariamente, a oferta interna no curto e médio prazos se não houver uma dinâmica de investimento reprodutivo e a situação em que se encontra a Europa não convida a que exista essa dinâmica, a não ser numa perspectiva de três a quatro anos se as propostas contidas no Relatório Draghi forem postas em prática, designadamente incentivando o investimento privado e promovendo o investimento público europeu.
Mas, sobretudo, o que não faz qualquer sentido é, num contexto como o actual, a redução do horário de trabalho, a qual implica, no imediato, uma redução da produtividade. Claro que se torna possível argumentar com o aumento, a prazo, da produtividade resultante da componente psicológica e do acréscimo de qualificação da mão-de-obra. Mas, é só a prazo e a conjuntura apresenta-se difícil.
Quanto aos impostos, poderá haver a redução de alguma tributação indirecta aplicável a bens de consumo de primeira necessidade, bem como a redução do IRC para alguns segmentos das PME’s e para as micro-empresas, redução essa que não terá grande impacto nas receitas orçamentais.
Mas, não mais do que isso.
Até porque na habitação vai ser indispensável uma combinação de algum investimento público com a redução do IVA na construção de habitações a preços controlados, permitindo incentivar o investimento privado.
Em qualquer caso, o nosso compromisso com o povo ucraniano implicará sempre, sempre mesmo, que não se afigure possível garantir que, em caso de necessidade, não seja inevitável sacrificar, do ponto de vista orçamental, certas áreas de relevância social. É preciso falar essa linguagem aos portugueses.
Caso contrário, estamos a faltar à verdade. Se estivermos contra a capitulação da Ucrânia. Se estivermos do lado da capitulação, grande parte do que foi dito neste artigo é “pura heresia”.
Nem mais, nem menos…
Economista e professor universitário. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico