Eutanásia. Do direito à vida ao direito à morte

Publicado a
Atualizado a

Não podemos deixar de sorrir quando ouvimos na Rádio Observador a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos dizer "que a maturidade da sociedade portuguesa é muito grande", relativamente a despenalização da morte medicamente assistida (vulgo eutanásia).

Se há, na sociedade portuguesa, alguma coisa sobre a qual não existe uma ideia estabilizada, a eutanásia estará no pelotão da frente.

A prova de que o assunto não é linear está nos 16 anos que o tema tem vindo a ser debatido sem que no Parlamento tenha conseguido um largo entendimento que não deixe margem para grandes dúvidas.

As principais instituições que se manifestaram sobre o assunto estão contra ou têm sérias reservas sobre o tema.

A legislação aprovada na especialidade não colheu os contributos de muitas das instituições que deram pareceres. Aliás, todo o processo foi desenvolvido com a oposição da maioria das organizações que têm uma palavra a dizer sobre a eutanásia. As Ordens dos Médicos, dos Enfermeiros, dos Advogados, o Conselho Superior da Magistratura, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida têm sérias reservas em relação à legislação aprovada.

É difícil separar a questão da eutanásia dos cuidados paliativos.

Em praticamente todos os países onde a eutanásia está regulamentada, há um reforçado e bem apetrechado serviço de cuidados paliativos. Só após a existência de cuidados paliativos, os países avançaram na institucionalização da eutanásia.

A Grã-Bretanha, por exemplo, tem cuidados paliativos de excelência e, até ao momento, não legalizou a eutanásia.

Uma das questões mais prementes que se coloca é saber se as pessoas querem morrer ou querem deixar de sofrer. E é dado, como pacífico, que a existência de cuidados paliativos diminui em muito o sofrimento dos que estão com graves problemas de saúde.

Em Portugal, dentro daquela linha "ora digam lá onde gastam o dinheiro dos nossos impostos", há uma carência de cuidados paliativos na ordem dos 70 por cento. E a construção da casa começou, como habitualmente, pelo telhado. Urgência em legislar sobre a eutanásia, mas o edifício dos cuidados paliativos por construir.

Naturalmente, não se pode recusar a quem está num sofrimento profundo, em situação terminal, a escolha do momento da sua morte. Mas deverá entregar-se esse seu direito a um grupo externo? A filosofia budista, por exemplo, defende meios naturais como a abdicação da ingestão de alimentos para obter a morte. Num assunto desta sensibilidade é importante o rigor da lei. Em vários países onde a eutanásia está instituída, existiram preocupantes casos de abuso da eutanásia. Na Bélgica, a cidadã De Troyer, foi sujeita à eutanásia sem ter qualquer doença terminal. Sofria, sim, de uma profunda depressão crónica. Sem conseguir o apoio do seu médico habitual, De Troyer obteve a eutanásia com a colaboração de um outro médico sem escrúpulos. E sem a colaboração da família.

A legislação agora aprovada está marcada pelo estigma da "rampa deslizante". Quando se iniciou a sua discussão, a lei era extremamente exigente e redutora no que respeita às condições do exercício da eutanásia. Mas, com a passar dos anos, a legislação foi sofrendo alterações no sentido de um maior facilitismo relativo às condições de acesso à eutanásia. Caiu, por exemplo, o conceito de que o paciente tinha de estar no estado terminal.

E qual é afinal a posição do país sobre a eutanásia? O que pensa a maioria dos portugueses? Há sondagens que indicam uma acentuada fratura sobre o assunto na população portuguesa. Uma sondagem de 2015 dava 67 por cento de portugueses favoráveis à eutanásia. Contudo, num outro estudo de opinião realizado em 2020, o número de defensores da eutanásia descia para 50,25 por cento.

Assim, o referendo proposto pelo PSD poderia ser mais um contributo para conhecer o que, verdadeiramente, pensam os portugueses sobre o assunto. E daria mais consistência a um processo que se quer o mais participado e amplo possível.

Mas o instrumento do referendo parece ainda assustar muito boas almas.

Jornalista

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt