‘Europe’s worst nightmare’

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Tomo de empréstimo o tema de capa da revista The Economist, de 22/2/25. Cito, livremente, a primeira frase do seu editorial: “A última semana tem sido a mais sombria semana da Europa desde a queda da Cortina de Ferro. A Ucrânia está a ser vendida ou liquidada, a Rússia está a ser reabilitada e, com Trump no poder, a Europa não poderá contar com a ajuda americana em tempo de guerra.”

Dificilmente leremos alguma afirmação mais clara e mais violenta. Violenta para a Ucrânia? Certamente. Mas, sobretudo, violenta para a Europa, violência que nos questiona quase na nossa dimensão ontológica.

Quando há um mundo que parece acabar e um desconhecido mundo que parece querer começar.

Podendo cada um de nós ter abordagens diferentes a esta nova realidade, em diferentes tons e com diferentes graus de intensidade, há, no entanto, duas questões que, enquanto estiverem sem resposta, serão a corporização da nossa angústia, para não dizer o harakiri da Europa enquanto tal.

Questões simples: como é que se chegou aqui e como é que vamos construir o futuro?

Ecoam-me nos ouvidos as palavras de Mário Soares, há 40 anos, nos Jerónimos: “A Europa das Comunidades, para nós, não será tão só um mercado comum de bens e de serviços: vemo-la como um espaço de liberdade, de respeito pelos Direitos do Homem e de humanismo, mas também como uma entidade política, autónoma e coesa, a que competirá uma acção de liderança moderadora na cena internacional em favor da paz.”

De facto, atolámo-nos numa miríade de fundos que já ninguém conseguirá enumerar ou somar, num percurso para uma obesidade mórbida dos Estados e da administração comunitária, numa insuportável leveza de tudo resolver com nova dívida, em lógicas individuais de carreira que, frequentemente, parecem sobrepor-se à ideia de serviço à comunidade.

E, neste atoleiro, a Europa não produziu um desígnio, não afirmou nem liderança política, nem de pensamento, não mobilizou os seus cidadãos.

Nos Jerónimos, Mário Soares disse também: “A palavra será agora conferida às jovens gerações, a quem se abrem exaltantes perspectivas de realização pessoal e de progresso.”

Ora, estas jovens gerações nalguma coisa terão falhado. Sei do que falo. Ouvi o discurso com 25 anos.

O desafio, para todos nós, é o de não poder voltar a falhar.

A Europa, humilhada há 3 anos na infindável mesa do Kremlin, ofendida em 2025 em Munique, como não haverá memória, e com as vulnerabilidades evidenciadas pelos russófilos europeus, alguns dos quais se sentam à mesa do Conselho Europeu, como é que reage?

Faz sucessivas e parcelares cimeiras em regime de campeonato desportivo: 1.ª, 2.ª e 3.ª divisão. Por qualquer obscura razão não vimos Portugal em nenhuma. Curiosamente ninguém questiona.

Discute investimentos que deveriam estar em curso há décadas, maxime na área da Defesa, mas, também, nas tecnologias.

E, como solução que quer oferecer como definitiva e tranquilizadora, recorre ao estafado e habitual argumentário - mais um fundo.

A Presidente da Comissão Europeia anunciou, a 4 de Março, um plano de 800 mil milhões de euros para rearmar a Europa.

Senhora Presidente, se é certo que precisamos de armas, não o será menos que do que mais precisamos é de política, de política com coragem, princípios e capacidade de mobilizar os europeus.

O pesadelo não são os EUA, não é a Ucrânia. O pesadelo somos nós e só nós o poderemos resolver.

Advogado e gestor

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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