Europeias. E, de repente, o sonho deixou de ser politicamente correto?

Publicado a
Atualizado a

Entrados que estamos, para todos os efeitos, em plena campanha eleitoral para as eleições europeias, já muito se pode retirar tanto dos candidatos, como dos nossos habituais painéis de comentadores. Desde logo, as reações de escárnio que motivou o comentário do cabeça de lista da AD, Sebastião Bugalho, quando disse - no lançamento da candidatura - que (cito de cabeça) “a primeira astronauta vai ter a bandeira europeia”.

O caso levou mesmo a que Bugalho voltasse ao tema, dias mais tarde, para explicar que se referia ao facto de voltar a colocar a Europa no comboio da frente da tecnologia - e a necessidade de estabelecer objetivos de futuro com otimismo. (O candidato também foi muito “gozado” por ter dito que a bandeira portuguesa tem sete quinas e, quanto a isso, literalmente, pôs-se a jeito. É a vida!)

Nota de interesses: conheço Sebastião Bugalho, como quase “meia Lisboa” aparentemente, e gosto muito dele. Ao mesmo tempo, provavelmente, não votarei nele. Mas acho que ele tem razão neste ponto - o de os candidatos políticos terem, também, o dever de avançar com propostas realistas que levem os eleitores a sonhar, a almejar a algo que os cidadãos, orgulhosamente, possam contribuir para que aconteça ainda que pareça mais ou menos impossível.

No entanto, quando o faz, é ridicularizado.

Desde logo, porque estamos demasiado condicionados por políticos medíocres, mais preocupados com a sua carreira e sobrevivência política que dirão apenas e só o que esperam que os eleitores e a audiência dos putativos apoiantes da sua plataforma gostem. Saem assim grandes discursos de “vacas voadoras” que, aparentemente, a grande maioria de comentadores e políticos acha relativamente normal, apesar de, tudo espremido, mais não é do que a manutenção (ou regresso) do statu quo que tem feito com que Portugal seja, hoje, mais dependente de fundos europeus para se tentar desenvolver do que alguma vez na sua História.

Apontar a algo que sai da mediocridade do «temos de continuar a “sacar dinheiro” à UE», nem se liga. É o caso do principal candidato da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, quando diz que “devemos almejar a deixar de precisar de fundos europeus”. Parece uma meta mais longínqua do que Marte! Mas não deveria ser o primeiro objetivo de qualquer país europeu desenvolvido?

Só que num país habituado a fazer sempre contas a “quanto é que o Estado deixa de arrecadar” se cortar neste ou naquele imposto, taxa ou portagem - como se o dinheiro, originalmente, não fosse dos contribuintes e não um direito inalienável do “Estado” (melhor dizendo, do Governo), que o arrecada para depois o gastar ou investir em nome do cidadão, esta ideia nunca é colocada.

O melhor exemplo disso mesmo - entrando agora numa tangente - foi a forma como a maioria dos políticos e comentadores debateram a exoneração de Ana Jorge e da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Poucos foram os que notaram que, em quase um ano, aquelas pessoas não foram capazes de reestruturar uma estrutura com resultados a cair a pique; que quando perguntada sobre onde estava o plano de ação, a provedora respondeu que estava “para sair” (palavras minhas); que foi - sob todos os critérios - uma medida de boa gestão despedir aqueles funcionários três dias antes de eles adquirirem o direito legal a receberem indemnização (que seria pago pelo dinheiro dos contribuintes). O que foi (muito!) discutido foi o tom da exoneração, porque tratou mal a sra dra. Ana Jorge, que (não conheço) parece que é boa pessoa.

Passados 50 anos do fim do Estado Novo, continuamos a viver numa sociedade em o “oh srs. não havia nexexidade” se sobrepõe a quaisquer factos.

O que nos leva a Marta Temido e ao argumento do PS - dito e repetido por uma enormidade de pessoas - de por que razão ela é uma excelente candidata. Levou muito bem o barco da Saúde durante a pandemia!

Ah sim? Temido foi a mulher que decidiu pôr de fora (numa primeira fase) todo o setor privado e social para reagir à pandemia. O mesmo Ministério da Saúde que fez compras de ventiladores que chegaram com instruções em chinês e que, tanto quanto se saiba, nunca chegaram a ser usados. E ainda alguém se lembra de como se chamava o primeiro militante socialista escolhido pelo ministério de Temido para liderar o processo de vacinação antes de tudo descarrilar de tal forma que, finalmente, se teve de recorrer aos militares e o então vice-almirante Gouveia e Melo ter vindo tomar conta da situação? Era Francisco Ramos.

E mesmo descontando que a nova europeísta convicta até há pouco tempo tinha os olhos postos em Lisboa - mas afinal, como a própria disse, “era só uma ideia” - e que saiu do Governo em desgraça com um SNS em colapso total e após uma grávida ter morrido numa ambulância, nada disto interessa. Agora, quem, a ouça, conclui que o seu sonho é que a Europa venha resolver o problema da habitação em Portugal - ideia, aliás, que já António Costa tinha levado à Comissão Europeia, e recebido uma nega.

Há quem sonhe com estrelas, e talvez toque em planetas, há quem aponte a ser tão bom quanto os outros... e há depois os outros.


Nota:   Este texto foi escrito antes do debate ocorrido esta segunda-feira na SIC Notícias entre alguns cabeça de lista.

Editor do Diário de Notícias

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt