Europa: paralisada como um coelho a olhar para uma cascavel

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De quatro em quatro anos o mundo suspende a respiração e a Europa olha o outro lado do Atlântico com um misto de paternalismo, visão estereotipada, algum antiamericanismo e receio. O milionário republicano eleito em 2016 veio com o seu populismo e retórica política reforçar a explosão de lugares-comuns e estereótipos gastos.

Se pudessem, os europeus entregariam de bandeja a Casa Branca a Kamala Harris, mas não todos. Na Europa Ocidental, 69% votariam na candidata democrata, de acordo com uma sondagem Gallup, já os europeus de Leste lhe atribuiriam 46% das intenções de voto.

Vistos a partir dos sofás europeus, 70 milhões de americanos são todos “porcos, feios e maus” ou iletrados, brancos, ultraconservadores. A realidade é bastante mais complexa , porém apesar da era da info-obesidade em que vivemos, ou talvez por estarmos submersos em informação, tendamos ao maniqueísmo e a esquecer que foram jovens americanos que nos livraram do primeiro tipo de totalitarismo - o nazismo - e, em seguida, do segundo - o estalinismo e sua longa sombra. Os Estados Unidos, importa recordar aos distraídos, impulsionaram o comércio livre entre as nações europeias, estabelecendo a base da União Europeia.

Não parece haver dúvidas quanto ao caráter de Donald Trump, ou a falta dele, e quanto à sua volatilidade e narcisismo isso dá-nos motivos para suster a respiração. Por outro lado, Kamala Harris, nos quatro anos em que ocupou o cargo de vice-presidente ao lado de Joe Biden, a Casa Branca nunca a preparou para assumir esse cargo e o “progressismo excessivo” de uma ala democrata assusta parte dos norte-americanos
A retórica cada vez mais intensa, e violenta, de democratas e republicanos na reta final da campanha parece não ter influenciado substancialmente as intenções de voto. A corrida permanece empatada tanto em âmbito nacional quanto nos estados pendulares - Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin -, que habitualmente determinam a composição do Colégio Eleitoral. Tudo está em aberto.
Como escreveu José Tavares em A Europa Não É Um País Estrangeiro, o entusiasmo da Europa pelos Estados Unidos “transformou-se num complexo de Édipo invertido: o pai, embora orgulhoso do filho, deseja secretamente a sua ruína ou, no mínimo, a sua domesticação. Esta atitude antiamericana consolidou-se na segunda metade do século XX entre as elites culturais e políticas da Europa, e o espanto inicial dos europeus perante uma América jovem e inovadora cristalizou-se num amargo filão de antiamericanismo serôdio. (...) Aos olhos da Europa, a América assumiu a figura de um primo plebeu, mal-educado, com muitos meios económicos, a quem recorremos envergonhadamente para financiar as cerimónias antigas onde reunimos a família”.

E falemos desses jantares de família. A dependência da Europa em relação aos Estados Unidos em matéria de defesa tem sido um tópico de debate acalorado nos últimos anos, especialmente à luz de eventos geopolíticos como a guerra na Ucrânia. Esta dependência não é apenas uma questão de capacidade militar, mas também de autonomia estratégica e política.

Quando a Europa se decidir a pagar as contas da sua defesa - durante a Guerra Fria e o período de curta paz que mediou entre a implosão da URSS e a invasão da Ucrânia foi o braço protetor americano que nos protegeu -, deixará de estar como um coelho a olhar para uma cascavel a cada quatro anos.

God bless America e a nós europeus também. 

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