Etiópia – Uma clínica para burros e a importância destes na economia local – Tudo, em tempos de Armagedão!
De acordo com as Nações Unidas, a Etiópia deverá ter a maior população de burros do mundo. Um em cada cinco, deverá ter “nacionalidade” etíope e serão nove milhões de burros-de-carga, para 130 milhões de dependentes no fornecimento de água, cereais, lenha, materiais de construção e aspirinas, por exemplo, mas só com receita médica!
O Donkey Sanctuary, perto do Merkato de Addis Ababa, trata-se de uma “caridade britânica”, na tradução literal e no modelo de cooperação. Ou seja, não é caridade, é política e da boa, já que permite a normalidade entre humanos, acudindo às bestas! Sem causarem ruido, a “caridade britânica” acolhe, trata os animais gratuitamente e aconselha os donos a como procederem no futuro, para este “imobilizado da empresa” durar mais uns quilómetros!
No exemplo de um cliente habitual, chamemos-lhe Manuel, Mohamad em árabe, ganha a vida com dois burros-de-carga, cujas albardas vão carregadas de grão. Quando os burros têm ambos tracção às quatro, consegue lucros entre 1,5 dólares e 3 dólares diários. Segundo o Banco Mundial, as vitórias das economias domésticas, na Etiópia, contabilizam-se ao final do dia entre os que conseguiram os 2,15 dólares mínimos que separam quem está na franja da sociedade e quem está na “franja-da-franja” da mesma! São os mínimos, dos quais todos os manuéis dependem, de um animal bem calçado.
Este santuário veio facilitar a vida aos animais e criar novos hábitos nos donos, que a cada três meses encontram desculpa para passarem pelo Merkato e levarem o seu meio de produção à revisão! Ou também, indicarem o caminho da clínica ao animal, ao primeiro coxear, ou à primeira dor de barriga.
Antes, quem sofria era sobretudo o animal, negligenciado na dor e no tratamento, tinham curas com tratamentos aplicados à base de facas, garfos e colheres. Desse arrepio, que não é de frio, já se livraram.
São 83% de uma população rural que ficam menos longe do centro. Depois há ainda o árido e o montanhoso, que há muito estariam desertos, não fossem séculos de transumância deste quadrupede mediterrânico, que sempre carregou a ambição humana pela conquista às costas, acompanhando-nos para onde quer que fossemos.
Este cenário, das distâncias, dos lucros miseráveis e das “unhas-dos-pés” cortadas à faca, da soma do sofrimento do homem com o do animal, paradoxalmente lembrou-me a futilidade dos influenciadores que agora debitam sobre “a filosofia do estoicismo”!
Se lerem este texto, não vão perceber que o estoicismo é burro!
Raúl M. Braga Pires é Politólogo/Arabista e professor no Instituto Piaget