Ethos, pathos, logos
Se elegêssemos uma palavra para caracterizar os debates a que temos assistido nas últimas semanas, assim como elegemos a “Palavra do Ano”, esta só poderia ser uma: fugazes. Aliás, no final de cada debate vem-me sempre à memória uma trágico-cómica tirada de um militante da Iniciativa Liberal sobre “a história do coelhinho”, pois, ironicamente, o mesmo se poderia aplicar à história dos debates: “vai ser tão bom, não foi?!” Não obstante, esta série de debates -- onde a retórica impera -- recorda-me também três velhos conceitos: ethos, pathos e logos.
Provenientes da filosofia antiga, estes termos surgem com base num conjunto de premissas concebidas por Aristóteles como aperfeiçoamento da tese platónica de que a simples exposição ao conhecimento seria suficiente para conquistar uma audiência. Então, e em discordância com o seu mentor Platão, Aristóteles acreditava que a retórica seria fundamental para conquistar o público, essencialmente, por dois motivos: i) não é certo que as pessoas sejam capazes de seguir o raciocínio lógico; e ii) porque os discursos políticos, por vezes partidários e hostis, não são propícios a serem aceites por quem, à partida, já receia estar a ser iludido, ou mesmo enganado. Consequentemente, os argumentos retóricos dirigidos a audiências públicas devem partir de premissas suscetíveis de serem aceites pelo público-alvo e de pressupostos de que os mesmos já estejam convencidos, não do tipo de princípios através dos quais se transmite e estabelece conhecimento (por norma, aceites maioritariamente, ou apenas, pelos especialistas).
É, deste modo, que surgem o ethos, o pathos e o logos como meios de potenciar a capacidade de persuasão de um público. O primeiro -- ethos -- refere-se à capacidade de o atingir com base na ética, integridade e credibilidade do orador. O segundo -- pathos -- alude à capacidade de apelar às emoções e criar empatia entre o orador e a audiência. E o terceiro -- logos -- sugere a utilização de argumentos racionais, de evidências e do raciocínio lógico.
Ora, de rompante e volvidos mais de 2 000 anos, poderá parecer que estes termos nada têm a ver com o nosso quotidiano, mas têm. Quando, por exemplo, vemos comentadores -- ridiculamente -- a darem notas aos participantes dos debates, aquilo que vemos não é a classificação da aceitabilidade das posições políticas dos candidatos, muito menos dos seus méritos. As classificações atribuídas por estes comentadores, para além de servirem como um entretenimento reducionista para o público, versam-se, meramente, sobre a retórica empregue naqueles escassos minutos.
No entanto, embora errado sobre tantas outras noções e teorias, as premissas sobre a retórica aristotélica não me parecem estar completamente erradas. Na verdade, o degradar da nossa democracia estará, em parte, relacionado com a capacidade -- no caso, a falta dela -- de os políticos persuadirem a audiência ou, por outras palavras, conquistarem a confiança dos cidadãos. Naturalmente, sem que haja confiança nos representantes políticos, há uma tendência para que vícios como a desinformação e a polarização, a falta de participação política e a falta de escrutínio e prestação de contas se avultem. Noto, a propósito, a descida de Portugal da 28.ª posição para a 31.ª no Democracy Index 2023, publicado esta semana pela Economist Intelligence Unit da revista britânica The Economist. Além disso, apesar da ligeira descida na pontuação, que nos mantém como uma “democracia com falhas”, revela-se preocupante os indicadores sobre a cultura política, o funcionamento do Governo e a participação política encontrarem-se substancialmente abaixo da média da Europa Ocidental e, no caso deste último, ao nível de países com “regimes autoritários” (últimos na escala).
Disto isto, será ponto assente que este modelo quase que de speed dating entre oradores e audiência, representantes e cidadãos, poderá ser útil a quem dominar a arte da retórica, mas não, certamente, à democracia. Por esse motivo, na retórica, mas também noutros domínios, sugere-se aos candidatos o mote: esse quam videri (sejam, em vez de parecerem) ethos, pathos, logos.
Mestre em Desenvolvimento Internacional e Políticas Públicas
Membro Fundador da All4Integrity