“Estratégia Mar-a-Lago”: a nova política económica dos EUA
A nova política económica dos EUA, que se está a tornar conhecida por “estratégia Mar-a-Lago”, configura um ambicioso (ou, alucinado) plano de reindustrialização baseado na desvalorização cambial, na restrição às importações e em estímulos à produção interna. Este verdadeiro “reset económico” constitui a agenda informal do programa de política económica e externa da equipa liderada por Donald Trump, que visa restaurar o protagonismo industrial norte-americano e reequilibrar a balança comercial. Contudo, os riscos de fracasso são muito elevados e os custos do falhanço, potencialmente globais. A estratégia pressupõe a existência de um tecido produtivo maduro, acesso competitivo a matérias-primas e estabilidade política. Sem estas condições, a política protecionista pode desencadear uma espiral de instabilidade: inflação persistente, enfraquecimento do dólar, perda de poder de compra e tensão social crescente. No curto prazo, a política da administração Trump, mesmo que a médio e longo prazo tenha a potencialidade de ter o efeito MAGA (“make America great again”), no presente, traz inflação, perda de poder de compra, empobrecimento da população e, muito provavelmente, subida do desemprego. E, a receita, poderá ter como consequência, o colapso da legitimidade eleitoral política interna, precipitando um cenário de imprevisibilidade, quer a nível interno, quer a nível externo. Perante as fragilidades e potenciais riscos estratégicos, emerge o adicional risco geoestratégico, traduzido na tentação de fuga para a frente.
A História mostra que crises internas profundas conduziram no passado à externalização de conflitos. A administração americana, a curto prazo isolada e sob intensa pressão e tensão domésticas, poderá ser tentada a provocar a confrontação belicista, como forma de reposicionamento internacional. Tal como alguns analistas se referem à estratégia do executivo israelita, a solução belicista tem surgido por diversas vezes como a panaceia para as dificuldades internas dos governos, redirecionando a narrativa pública, desviando as atenções das políticas internas flagelantes e criando um novo quadro de alianças internacionais. Aliás, neste momento o conflito já existe, para já sem ser bélico, mas é comercial e monetário, constituindo-se no verdadeiro embrião de uma grave crise económica e monetária à escala global. A crise que está a ser provocada pela administração Trump poderá funcionar como catalisador para manter ou impor (depende da perspetiva) uma ordem financeira internacional em que os EUA perpetuem a sua liderança internacional, nos moldes de um Bretton Woods revisto. Contudo, ao contrário de 1944, o mundo de hoje é multipolar, complexo e perigosamente instável. A China lidera a concorrência tecnológica e é uma potência militar, a Rússia detém poder dissuasor global e países como Irão ou Coreia do Norte são atores imprevisíveis.
O risco da política de Mar-a-Lago não é apenas o de falhar a reindustrialização, mas o de precipitar uma crise sistémica com impacto sobre toda a arquitetura económica e financeira internacional. A tentativa de imposição de uma nova ordem, sem consenso global, poderá desencadear reações em cadeia com efeitos imprevisíveis. Não um novo Bretton Woods, mas um longo colapso da ordem democrática e liberal. O mundo está, pois, num ponto de inflexão. Entre a recuperação industrial e a desordem geoeconómica, a linha que separa o realismo estratégico da imprudência bélica é hoje mais ténue do que nunca. Mar-a-Lago poderá ficar na história não como ponto de viragem económica, mas como prelúdio de uma era de confrontação e desorganização global.