Estamos mais saudáveis?
Será que, com a evolução da Medicina, da tecnologia e da consciência sobre hábitos saudáveis, estamos, de facto, mais saudáveis do que no passado? Tendo em conta que vivemos cada vez mais anos, que há uma mortalidade infantil menor e que conseguimos controlar doenças que pareciam perenes, a resposta parece simples: sim, estamos mais saudáveis. Mas será tudo isto sinónimo de mais saúde?
De facto, com a descoberta dos antibióticos, a invenção das vacinas, o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas avançadas e a criação de medicamentos revolucionários, os avanços na Medicina no último século vieram aumentar a esperança de vida. Mas isso não significa que estejamos a viver mais anos com mais saúde. No dia 11 de fevereiro, celebra-se o Dia Mundial do Doente. Nesta data, importa refletirmos sobre a nossa saúde como população.
Segundo o relatório Saúde da População em Portugal (2021-2030), publicado pela Direção-Geral da Saúde (DGS), a esperança média de vida à nascença aumentou 4,5 anos nas últimas duas décadas, atingindo 81,1 anos no triénio 2018-2020. Um estudo internacional publicado na revista The Lancet estima que, até 2050, a esperança média de vida em Portugal aumentará para 87,4 anos nas mulheres e para 82,5 anos nos homens.
Hoje, as pessoas vivem mais tempo, mas nem sempre com melhor qualidade de vida. O aumento da expectativa de vida não significa necessariamente mais anos saudáveis. Com o envelhecimento da população, também a incidência de doenças crónicas tem vindo a aumentar.
Segundo a DGS, há cada vez mais portugueses com doenças osteoarticulares, nomeadamente, dores lombares. A ansiedade e a depressão também ganharam peso em Portugal, sobretudo entre adolescentes e jovens, como evidenciou um estudo internacional. Em média, em todos os países da União Europeia (UE), a percentagem de jovens com 15 anos que apresentaram múltiplas queixas de saúde relacionadas com problemas físicos e psicológicos aumentou nos últimos anos. Também entre os jovens se tem verificado que as taxas de excesso de peso e obesidade aumentaram, especialmente entre os adolescentes. Em 2018, mais de 22% dos jovens portugueses de 15 anos apresentavam excesso de peso ou obesidade, uma proporção superior à média europeia.
Entre os 27 Estados-membros da UE, Portugal tem a menor taxa de atividade física, com 73% dos inquiridos a afirmar não realizar atividade física nenhum dia por semana. Uma atividade física insuficiente contribui grandemente para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, depressão e muitas outras patologias associadas ao envelhecimento. Apenas 22% das pessoas com mais de 65 anos praticam uma atividade física considerada suficiente. As taxas de obesidade – um fator de risco para numerosas doenças crónicas – tendem também a aumentar com a idade, atingindo em toda a UE um pico de cerca de 20% entre as pessoas com idades entre os 65 e os 74 anos em 2022.
Uma parte substancial da incidência da doença na velhice, tanto nas mulheres como nos homens, pode ser evitada modificando os principais fatores de risco ao longo da vida. De acordo com a Comissão para a Prevenção e Cuidados de Demência da Lancet, cerca de 45% dos casos de demência poderiam ser evitados combatendo 14 fatores de risco modificáveis, entre os quais a perda auditiva, o consumo de álcool e tabaco e o sedentarismo.
A verdadeira saúde não reside apenas na ausência de doenças, mas no bem-estar físico e mental. A saúde física e mental é um fator determinante no bem-estar das pessoas, influenciando significativamente os resultados escolares das crianças e adolescentes, bem como o desempenho profissional dos adultos.
É imperativo adotar medidas eficazes para promover uma longevidade saudável, dando prioridade à prevenção de doenças, nomeadamente através da vacinação, cuidando da saúde mental em todas as idades e dando ferramentas para que o doente consiga gerir melhor a sua própria saúde.
O papel do médico de família torna-se, portanto, central na identificação de fatores de risco, atuando precocemente na prevenção de doenças crónicas e na mudança do estilo de vida. Ao olharmos para o futuro, a chave será integrar os avanços da ciência com hábitos de vida saudáveis e um foco na saúde mental porque só assim poderemos realmente afirmar que estamos mais saudáveis.
Especialista em Medicina Geral e Familiar no Hospital CUF Descobertas