Estamos de volta

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A fila de ministros dos Negócios Estrangeiros dos EUA e da UE que vêm ao Médio Oriente aumenta todos os dias, após os 11 dias de bombardeamentos que caíram sobre a Faixa de Gaza e Israel. Todos eles gostariam de transmitir a mesma mensagem a Israel e aos palestinianos: estamos de volta e o "plano de paz" criado por Jared Kushner, assessor do ex-presidente Donald Trump, foi-se, provavelmente para nunca mais voltar.

A mensagem dissemina-se entre as várias partes, às vezes de forma muito clara, mas em outras ocasiões envolta no apoio à segurança israelita. Os ministros estão a visitar todos, menos a Faixa de Gaza, considerando o Hamas, que está no poder ali, como uma organização terrorista. É difícil esperar que algo de positivo aconteça em breve, mas pelo menos a situação está a acalmar e os dois lados clamam pela vitória, o que é muito importante neste tipo de situação no Médio Oriente.

Assim, todos estão a conseguir algo utilizável ao nível da política local, o que supostamente fortalece a sua posição interna. O primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu está a tentar definir-se como um protetor de Israel, o "senhor segurança", como costumava ser chamado. Ele alega que o exército israelita destruiu quilómetros de túneis secretos construídos pelo Hamas, as suas infraestruturas e alguns dirigentes de alta patente. O sistema de segurança israelita denominado "Cúpula de Ferro" protegia o grande centro israelita e pode-se dizer que conseguiu cumprir o seu propósito. Isto é muito importante para Netanyahu num momento de instabilidade política no país, onde mesmo depois de quatro eleições gerais nos últimos dois anos, ninguém conseguiu formar um governo estável. A tentativa de todos os seus inimigos políticos para se unirem, incluindo o partido ou partidos árabes em Israel, não parece muito otimista depois do que aconteceu durante o conflito com o Hamas. Os partidos judeus continuarão a apoiar as ações do exército israelita em Gaza e os potenciais parceiros árabes não o farão, e isso seria o suficiente para não ter um governo de "coligação anti-Netanyahu". Mesmo que consigam formar algum tipo de governo, é difícil acreditar que seja um governo estável por muito tempo.

O Hamas entrou no conflito assumindo o papel de "protetor" dos árabes israelitas e daqueles que vivem em Jerusalém Oriental. Isso é algo totalmente novo, acontecendo pouco antes das eleições palestinianas, que estão adiadas, assumindo o papel da autoridade palestiniana de Mahmoud Abbas a partir de Ramallah na Cisjordânia. O Hamas fez o que era esperado da organização radical: jogou com o sofrimento dos civis de ambos os lados. O bombardeamento indiscriminado do território israelita com os mísseis de Gaza teve como objetivo criar pânico em Israel e a resposta israelita ao bombardear Gaza e matar vários civis palestinianos era suposto prejudicar a imagem israelita no mundo. Essa estratégia, sem dúvida, faz parte da ideologia terrorista, baseada em criar o pânico entre os civis e pressionar os governos, não só o israelita, mas também o americano. O custo dessa política do Hamas é enorme, mas eles estão obviamente dispostos a pagá-lo.

A outra coisa que aconteceu durante o último conflito foi a agitação nas cidades mistas entre judeus e árabes dentro de Israel. Ambas as comunidades têm os seus próprios grupos radicais e tudo estava quase pronto para acontecer. É muito perigoso para a democracia israelita e a sua influência na vida política do país só se verá mais tarde.

A Autoridade Palestiniana de Mahmoud Abbas não participou na violência, mas permaneceu como o único representante do povo palestiniano para o mundo exterior. Eles vão receber de novo o financiamento do governo dos EUA, que foi bloqueado pelo ex-presidente dos EUA, Trump. Além disso, o financiamento da reconstrução da Faixa de Gaza será estritamente controlado pela ONU e outras organizações internacionais, para evitar que o dinheiro chegue às mãos do Hamas.

O novo governo americano viu-se sob pressão local, tentando encontrar um equilíbrio entre reafirmar o seu apoio a Israel e fazer mais para deter o conflito. Ao mesmo tempo, tiveram de colocar na agenda da política internacional a velha ideia da solução dos dois Estados. Pode parecer pouco claro e conflituante, mas não havia possibilidade de Washington evitar definir a sua posição.

E o Egito, mais uma vez, mostrou-se como a única força capaz de falar com o Hamas, sem prejudicar a sua posição internacional, e voltou a ser um dos atores mais importantes da região.

A situação após o cessar-fogo é calma, mas extremamente complicada e há muitas coisas que podem desencadear uma nova ronda de violência. Israel tem de decidir o que fazer com o despejo de famílias árabes das suas casas no bairro Sheik Jarrah em Jerusalém Oriental, o que o Supremo Tribunal de Israel tem de decidir muito em breve. Os colonos judeus que iniciaram este caso têm a prova de que possuíam essas propriedades antes da guerra de 1948 e, de acordo com a lei israelita, têm o direito de as recuperar. O problema é que essa Lei não se aplica às propriedades árabes tomadas pelos judeus.

A calma não deve enganar ninguém que já teve qualquer ligação com o Médio Oriente. O principal problema é que não existem os alicerces necessários sobre os quais alguém possa criar condições para negociações sérias de paz. Quem pode realmente dedicar-se a criar algo assim, deve saber que demorará muito para estabelecer um mínimo de confiança entre as partes, não só entre Israel e palestinianos, mas também entre os próprios palestinos e judeus entre si.

Investigador do ISCTE-IUL e antigo embaixador da Sérvia em Portugal

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