Estamos a viver à custa das próximas gerações

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No dia 23 de julho atingimos o Earth Overshoot Day 2025 ou Dia da Sobrecarga da Terra, em que esgotámos os recursos naturais que o planeta consegue regenerar para o ano todo. Este indicador mede o desequilíbrio entre o que a natureza oferece e o que a humanidade exige em emissões de carbono, desflorestação, sobrepesca ou degradação dos solos. A cada ano a data chega mais cedo. A cada ano consumimos mais do que o planeta pode oferecer. E a cada ano adiamos as decisões que a ciência, a ética e o bom senso nos dizem serem inadiáveis.

O mais desconcertante, para a espécie humana que se orgulha da sua racionalidade, é que esta trajetória é, em grande medida, voluntária. Já temos muitas das soluções necessárias para mudar de rumo como energias limpas, agricultura regenerativa, economia circular, edifícios de baixo carbono, consumo consciente. O que nos falta não é conhecimento. Falta-nos coragem, liderança e visão.

E como se não bastasse, nos últimos meses temos assistido a uma mudança no debate público dando mais atenção aos custos da sustentabilidade e no seu impacto na competitividade económica. É um debate legítimo mas não pode servir de desculpa para a inação. Porque se é verdade que a transição exige investimento, é ainda mais verdade que o custo de não agir será muito maior. Atrasar a transição não só agrava o desequilíbrio ecológico como aumenta os riscos económicos, sociais e políticos. Viver acima das possibilidades do planeta é também viver à beira do colapso e não há competitividade possível num planeta inóspito.

Mas a transição ecológica e a sobrevivência da democracia têm de andar de mãos dadas. A crise ambiental já está a ser instrumentalizada por forças populistas e autoritárias que prometem soluções fáceis, alimentadas por medo, exclusão e desigualdade. Se deixarmos que o preço da sustentabilidade seja mais um encargo a suportar pelos mais frágeis, estaremos a alimentar a desconfiança e a erosão do contrato social democrático. A resposta à crise ecológica não pode pôr em causa os fundamentos da liberdade, da justiça e da solidariedade. Pelo contrário, deve reforçá-los.

E essa solidariedade não pode limitar-se às fronteiras nacionais. Tem de ser também uma solidariedade entre países. Os países em desenvolvimento, que menos contribuíram para a crise climática e ambiental, são muitas vezes os mais expostos aos seus impactos e os que têm menos meios para se adaptarem. A transição só será possível se for verdadeiramente global. E só será justa se for financiada, partilhada e assumida em conjunto. Ou todos conseguimos fazer esta transição com responsabilidade diferenciada mas com esforço coletivo ou ninguém conseguirá.

O escritor escocês Damian Barr disse-o com clareza: “não estamos todos no mesmo barco mas estamos na mesma tempestade. Uns estão em iates de luxo, outros agarrados a remos.” A desigualdade ecológica é também social e internacional. Os que menos contribuíram para o problema são os que mais sofrem e os que têm menos capacidade de se adaptar.

Por isso, é urgente construir uma nova aliança entre a Comunidade Internacional, os Estados, empresas e sociedade civil, assente em justiça, transparência e cooperação. A comunidade Internacional deve envolver países desenvolvidos e países em desenvolvimento neste esforço coletivo. O Estado deve garantir que ninguém é deixado para trás. O setor privado deve alinhar os seus modelos de negócio com os limites do planeta. E a sociedade civil deve manter a pressão e a criatividade. Nacional e globalmente.

O Overshoot Day não é apenas uma marca ambiental. É um sinal político, económico e ético. Mostra-nos que estamos a viver como se o futuro não importasse. Mas importa. E já chegou. Não seremos julgados pela dificuldade dos desafios que enfrentámos, mas pelas escolhas que adiámos e pelo mundo que deixámos a quem virá depois de nós.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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