Estamos a ficar mais burros?

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Os sinais de alerta vêm sendo dados pelos diversos programas internacionais de avaliação de conhecimentos, chamem-se Pisa, TIMSS, PIAAC, PIRLS ou outros. As competências de alunos, jovens e adultos, em áreas tão diversas quanto Literacia, Matemática ou Ciências, têm estado em declínio e a culpa não é (pelo menos, não apenas) da pandemia de covid-19.

Esta semana, o jornal Financial Times publicava um interessante artigo sobre o tema, no qual lançava a interrogação: “Terão os seres humanos já passado o pico da sua capacidade cerebral?” Nele, o jornalista John Burn-Murdoch analisava detalhadamente os dados dos mais importantes testes internacionais de avaliação para demonstrar como a capacidade média de uma pessoa para processar informações, usar o raciocínio e resolver novos problemas tem vindo a decair desde meados da década de 2010.

Se ninguém argumenta que a biologia fundamental do cérebro humano se tenha alterado - ou seja, a capacidade intelectual inata das pessoas não diminuiu por qualquer fator evolutivo biológico -, há, contudo, evidências crescentes de que o uso que as pessoas fazem dessas capacidades está efetivamente a diminuir.

E este não é um problema que possamos atribuir exclusivamente às escolas e ao modelo educativo, português ou outro. Embora, obviamente, as assimetrias entre países indiquem que uns têm respondido melhor do que outros (além de evidenciarem diferentes realidades sociais). Em Espanha, onde o assunto também é tema de debate, um dirigente educativo lembrava esta semana no jornal El País que hoje se “investe cada vez mais por estudante, há um maior acesso à cultura, os progenitores têm mais formação e há mais gente a cumprir os níveis de escolaridade”. No entanto: “Há 20 anos estávamos absolutamente convencidos de que isso levaria a uma melhoria significativa por esta altura, mas a realidade contradiz-nos.”

O foco da análise transfere-se para uma mudança civilizacional mais ampla, que é a forma como a tecnologia mudou as nossas vidas. Aquilo a que temos assistido, destacam especialistas de diversas áreas, é a uma erosão significativa da capacidade de raciocínio e de concentração. Provocada, sobretudo, pela submissão tecnológica, que nos deixou à mercê de uma enxurrada de estímulos imediatos manipulados por algoritmos que nos limitam o horizonte intelectual.

A forma como interagimos com a tecnologia e consumimos informação, hoje, não é só uma questão de comportamento individual, mas um fenómeno coletivo com profundas implicações sociais. Parar o emburrecimento em curso deveria ser responsabilidade de todos: governos, empresas e cidadãos, pugnando em conjunto por um ecossistema digital que valorize a reflexão, a diversidade de ideias e a evolução do potencial humano. O que vamos vendo, no entanto, é que, para a elite dos donos do jogo, parece mais tentador transformar as promessas da era digital no cenário distópico descrito há décadas por visionários como Orwell.

Editor do Diário de Notícia

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