Esqueçamos os cenários populistas... sejamos justos e realistas

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A confiança naqueles que exercem ação governativa é extremamente importante para o equilíbrio social, gestão de expectativas e ainda, para evitar a desmotivação em quem é governado.

A falta de confiança em quem governa potencia a crítica generalizada, reflete o afastamento dos cidadãos pela governação da causa pública e/ou ainda, coloca o exacerbar e o extremar nas interpretações.

Não será necessário investir numa análise mais académica para concluir que, quando as pessoas não se sentem reconhecidas, quando se sentem negativamente diferenciadas, quando se sentem usadas, quando sentem o arrastar dos problemas e o adiar das soluções, quando suspeitam ser "tudo areia do mesmo saco" (no que diz respeito à habitual alternância político/partidária nos últimos anos), é natural o desejo de mudança e que se dê uma alteração do quadro político e com reflexos sociais.

É sobejamente conhecida a luta dos profissionais das forças de segurança nos últimos meses, no entanto, nem todos conhecerão as lutas das últimas décadas, desde logo, porque se conhecessem tratariam de forma diferente os problemas que se lhes apresentam.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) tem problemas graves no seu funcionamento, diria, na sua sustentabilidade, desde logo, porque problemas que aconteceriam de forma relevante em agosto de cada ano, aos dias de hoje, acontecem em abril e isso parecendo que não, diz muito, principalmente para os que conhecem a instituição por dentro e sabem ler os indícios, que rapidamente se tornam factos.

Internamente é de conhecimento geral, mas nem todos o assumem, que a PSP atravessa uma situação dificílima do ponto de vista da atratividade, sendo importante perceber a realidade dos últimos concursos e já agora, dos últimos cursos, para se perspectivar um futuro que todos desejarímos melhor, mas que o avistamos pior.

Noutro sentido, sente-se todos os dias a injustiça de um atropelo, que é tão doentio que coloca os polícias numa situação de "sequestro" por terem tudo pronto para gozarem a sua pré-aposentação (situação bem definida no seu estatuto profissional) mas que, abusivamente, lhes é barrada por "legislação superior," deixando-os a trabalhar desmotivados e revoltados, principalmente quando "espreitam" para a casa do vizinho do lado e constatam tratamento diferenciado.

Também não menos preocupante é a demonstração de vontade no afastamento da instituição de muitos profissionais, os quais mensalmente requerem saídas, por via de pedido de exoneração ou licenças sem vencimento. Continuarão certamente a sair, cada vez mais profissionais de excelência, que legitimamente auguram um destino melhor para as suas vidas e quem lhes reconheça o mérito.

Para agravar, e pelas sucessivas opções políticas, criou-se neste quadro já difícil, o alargamento de valências e missões na PSP, o que, associado à cada vez maior exigência e complexidade do serviço policial tradicional, por força das dinâmicas sociais, por alterações diversas no desenho social, multicultural, demográfico, juvenil, familiar, educacional, mental, notívago, entre outros, agudiza o quadro de funcionalidade da instituição. Tudo isto sem qualquer aposta na dignificação e valorização que esteja à altura desta dimensão de exigência, risco e conhecimento.

Constantemente surgem ainda desafios pontuais, os quais configuram uma dedicação e preocupação extras por parte dos polícias, os quais respondem sempre com a maior elevação, dignidade, altruísmo e profissionalismo, nunca comprometendo o seu país, refiro-me em concreto aos eventos de relevância que espelha a capacidade dos polícias portugueses para fora e permite "vender" Portugal como um lugar seguro a visitar.

Neste quadro, não podemos ainda ignorar a particularidade de fenómeno dos suicídios, da saúde mental e 'burnout', das agressões, da perda de condições no apoio à doença, do constante corte de folgas e exagero de trabalho suplementar e ainda no uso e abuso dos polícias para tudo, e isto por falência ou relaxamento de outros atores sociais, camarários ou privados, com recurso à abusiva disponibilidade permanente e raramente fundamentado interesse público, a que na PSP tantas vezes se recorre.

Mais recentemente, foram estes profissionais, os tais que trabalham diariamente para as populações, na preservação da paz pública e que permitem um sentimento de segurança a todos, brindados com mais uma secundarização no campo do necessário reconhecimento, merecida dignificação e imprescindível valorização, num continuar de desconsideração por parte dos responsáveis governativos que recorrem ao discurso de enaltecimento do trabalho importantíssimo dos polícias aquando de
de crises, de pandemias, de eventos de forte relevância social, de necessidades com grau de exigência elevado, mas que posteriormente recorrem a todas as limitações e argumentos para não concretizar qualquer reconhecimento concreto e efetivo.

Já nem é preciso recorrer a abordagens por vezes críticas e levianas sobre a atuação dos profissionais no desempenho da sua missão, rotulando-os indevidamente e muitas vezes de forma oportunista ou injusta, como extremistas e intolerantes, numa afronta à constante proximidade e intervenção na componente social e sensibilidade para cuidar de muitos problemas das pessoas que diariamente os polícias desenvolvem, nem necessitamos recorrer ao espírito de missão dos mesmos polícias que são os únicos que permitem termos uma polícia funcional.

Parafraseando então o atual primeiro-ministro de Portugal na crítica endereçada ao governo anterior, "a injustiça criada na aplicação do suplemento de missão à PJ, torna o assunto prioritário e será tratado após a tomada de posse, para encetar um processo negocial com vista a reparar a injustiça".

Estas declarações do atual primeiro-ministro criaram uma expectativa e recolheram certamente os votos de muitos profissionais da PSP, por um lado, pela vontade de castigar o anterior governo pela postura tida, por outro lado, numa perspetiva de tratamento devido dessa questão por parte da AD.

A verdade é que, após as eleições, formado o governo e iniciadas as negociações, as quais resultaram numa primeira proposta que presumo todos já tenham percebido que se tratou de um "erro evitável", aparece o atual primeiro-ministro, passo a citar: "não vale a pena alimentar cenários irrealistas"... relativamente à mesma matéria concreta que o levou a proferir a primeira citação acima colocada.

As perguntas que aqui se colocam são:

- O que se espera que os policias digam ao Dr. Luís Montenegro em termos de imagem perante esta alteração?

- O que se espera que se diga acerca da credibilidade das palavras proferidas em dois momentos diferentes?

- O que se espera que se diga, acerca do respeito que se tem por profissionais que se sentem usados numa campanha eleitoral?

- O que se espera que se diga, quando depois desta alteração de discurso por parte do Dr. Luís Montenegro ainda invoca a disciplina dos profissionais de segurança e responsabilidade dos intervenientes sindicais?

- O que se espera que se diga acerca da legitimidade da crítica feita ao governo anterior (diz o roto ao nu)?

- O que se espera da imagem dos políticos que recorrem sempre ao mesmo modelo de prometer e depois apontar culpas aos que saem?

- O que se pretende da PSP numa sociedade com os desafios que se apresentam a Portugal?

E por fim...

- O que se pretende dos profissionais da PSP que têm estado atentos e disponíveis a todos os problemas dos seus concidadãos e do país e constatam que os sucessivos governos não estão atentos nem disponíveis aos seus problemas?

A ASPP/PSP irá percorrer este processo negocial do suplemento de condição policial, da forma que o faz para os demais processos negociais, com seriedade, responsabilidade e frontalidade, numa perspetiva de ir até ao limite para a conquista de algo que permita valorizar os profissionais da PSP, mas espera que o governo encare o processo da mesma forma, pois caso tal não aconteça, o governo terá o regresso às iniciativas de contestação e num contexto cada vez mais complexo.

Apelamos a que o governo não ignore estas considerações, a realidade da PSP e o enorme grau de desmotivação e revolta existente, isto em nome da sua credibilidade, em nome de uma necessidade imperiosa, em nome da saúde da Polícia de Segurança Pública.

𝑷𝒂𝒖𝒍𝒐 𝑺𝒂𝒏𝒕𝒐𝒔, 𝒑𝒓𝒆𝒔𝒊𝒅𝒆𝒏𝒕𝒆 𝑨𝑺𝑷𝑷/𝑷𝑺𝑷

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