Espanha, Marrocos e Argélia, a encruzilhada portuguesa!
Mantenho a dúvida sobre se Marrocos integrará a candidatura luso-espanhola à realização do Campeonato do Mundo de Futebol em 2030. O que sei é que se trata de uma grande, grande vontade do Monarca e do 36º "milhionésimo" súbdito, de Tânger a Lagouira. Ou seja, trata-se de um projecto pessoal do Rei Mohamed VI de há muito, alavancado agora no surpreendente quarto lugar da Selecção Marroquina no Mundial do Qatar, do ano passado.
Qual é a encruzilhada portuguesa neste cenário?
Somos ibéricos, embora nos consideremos à parte! Cá está, Portugal não é um país independente, os portugueses sim, são todos independentes. Por isso mesmo, somos o país mais livre do Mundo, sem ironias! Somos ibéricos e duplamente dependentes, de Espanha e do Magrebe na questão energética e no comercial também, enquanto não abrir a ligação marítima entre Portimão e Tânger. Politicamente, seremos confrontados durante a Cimeira Luso-Marroquina agendada para a próxima semana, com o facto de os dois países da Península não estarem alinhados politicamente com Marrocos, na sua principal Razão de Estado, a questão sahraoui e a unificação do território marroquino. É aqui que entra a Argélia no baralho, com uma crescente crise diplomática com Espanha, desde junho do ano passado, por via da dependência ibérica do gás argelino e do reconhecimento espanhol do plano marroquino para a integração das Províncias do Sul (independentista). A aproximação argelina à Itália, leva espanhóis a acharem que os próximos beneficiários serão os portugueses, por via de um Forum de Negócios Luso-Argelino projectado para em breve se realizar em Lisboa. Estes cenários têm sido ultimamente reflectidos nas imprensas espanhola e argelina.
Esta é a encruzilhada lusa, caso reconheça o Sahara Marroquino, conforme os espanhóis o fizeram, faz da Península uma frente anti-argelina, dando razão a estes para em definitivo fecharem a torneira do gás e passarmos a tomar banho com água fria. Caso continuemos nas meias-tintas habituais, entraremos a destoar num projecto desportivo, em tudo político, cujas consequências serão imprevisíveis ao longo de uma acção conjunta que se quer coordenada e em sintonia, correndo nós ainda o risco, caso a candidatura não seja vencedora, de termos de enfrentar uma frente Espanha-Marrocos que nos colocará o ónus da derrota nos ombros. Politicamente e ao mais alto nível, isto será insustentável, isolando-nos ainda mais da Europa e da África mais próxima. Segundo declarou o nosso Primeiro durante a última Cimeira Ibérica desta semana, "Esta candidatura é uma importante mensagem para o Mundo, em particular para a África e para a Europa. Somos dois continentes vizinhos, que querem trabalhar em conjunto. Não somos dois continentes que sejam distantes ou que se queiram guerrear. Queremos celebrar em conjunto a prática desportiva e todos os valores a ele associados: a competição saudável, justa, regulada. Esta é a primeira vez que há uma candidatura conjunta entre as duas margens do Mediterrâneo, entre África e Europa. Seguramente vai ajudar a unir aquilo que nada nos deve separar". No Mundo da fraternidade socialista assim seria, mas o Mundo real é feito de escolhas e nós temos que escolher entre entrarmos coxos neste projecto, ou a pés-juntos à Paulinho Santos! Por outro lado, identifiquei recentemente o preconceito ideológico desta geração de governantes relativamente a Marrocos. Há 20, 30 anos não falhavam uma manifestação pró-sahraoui. Aliás, até as organizavam. Hoje, não aguentariam mirarem-se ao espelho com a boca inchada por este sapo que mais tarde ou mais cedo terá que ser engolido. Um realista já teria feito a digestão, um idealista continua a viver no Mundo como ele deveria ser e não como ele na realidade é!
Politólogo/Arabista
www.maghreb-machrek.pt (em reparação)