Era uma vez…
E se a gestão de um dos principais grupos de comunicação social do país se transformasse num filme de gangsters? Um daqueles entre o que víamos nos cinemas, com padrinhos senatoriais e ameaças veladas a meia-voz, e as versões mais recentes dos truques nas contas e das engenharias financeiras.
E se houvesse um acionista que compra um grupo em dificuldades para o sugar até ao tutano, desmembrar, descapitalizar? Numa daquelas táticas batidas do capitalismo em que o homem de negócios seguia o enredo do guião inicial de Pretty Woman.
E se o acionista fosse também administrador, e as suas outras empresas se tornassem as fornecedoras do grupo de comunicação social, criando uma rede tentacular que absorve até o último pingo de vida? Poderia o centro de recursos, responsável por gerir estas compras a fornecedores, ser transformado, tomado de assalto, num dos pontos de comando deste plano perverso.
E se até os ativos mais simbólicos, como as coleções de arte, mudassem para as mãos do acionista administrador a troco da demissão das suas responsabilidades perante a capitalização da empresa? Nada ficaria no lugar exceto as dívidas para atestar a insolvência do grupo.
E se o imobiliário, ativo sempre relevante nas contas de qualquer grupo, fosse vendido ao desbarato em negócios inexplicáveis? As vendas até poderiam ser consideradas danosas, servir apenas para algum testa-de-ferro comprar prédios em mais uma jogada do PDEC (não é um PREC com problemas de dislalia, seriam mesmo as iniciais do Plano de Descapitalização Em Curso).
E se fossem indicados novos administradores que entram no grupo a troco do perdão de dívidas que têm ao próprio grupo? Depois, até lhe poderiam ser oferecidas publicações secundárias onde efetuaria estranhas mudanças de linha editorial apenas para enlamear o debate público.
E se até personagens próximas de um ex-primeiro ministro a braços com problemas de justiça se assumissem como parte deste enredo, fazendo a ponte entre a destruição do grupo e um antigo sonho de controlo da comunicação social? Até do outro lado do Atlântico poderia vir dinheiro para transformar este PDEC numa parte de um plano ainda mais elaborado cujos braços chegam até às televisões.
E se uma guerra entre administradores e acionistas fosse apenas parte de um teatro para lavar a imagem de quem desvalorizou marcas históricas? Poderia aparecer um fundo que ninguém conhece para assumir culpas sem consequência e limpar imagens públicas.
E se a troca de comentadores televisivos fosse, afinal, parte da revolução em curso em que uma rádio pode mudar de mãos muito em breve servindo para uma concentração de media que, de outra forma, seria inaceitável? Poderia ser um plano de transformação profundo do panorama dos media do país.
E se houvesse um plano político para essa concentração dos media como já vimos noutros países? A criação de poderes de extrema direita poderia seguir o mesmo guião que vimos nos EUA ou no Brasil.
E se a interferência editorial fosse queixa quotidiana, com demissão de diretores por pressões das administrações? Poderia ser apenas mais uma dimensão da vontade de controle das narrativas, parte fundamental deste plano.
E se a realidade for ainda mais rebuscada do que a ficção? Um país como Portugal poderia ficar com uma comunicação social mais fragilizada, com interesses obscuros a controlar a informação e a influenciar a opinião pública, criando e destruindo políticos, manipulando a perceção da realidade, erodindo a democracia e os seus pilares.
Presidente da bancada parlamentar do BE
Nota da Direção
O Diário de Notícias publica este texto, que considera ofensivo à dignidade e brio profissional dos seus jornalistas e trabalhadores, do ex-deputado e dirigente do Bloco de Esquerda Pedro Filipe Soares por duas razões. A primeira é simples. A atual Direção respeita o compromisso assumido por uma anterior Direção do jornal de publicar semanalmente pontos de vista dos líderes dos grupos parlamentares. Tal compromisso, visto a Assembleia da República ter sido dissolvida, deixa de ter sentido, pelo que essa colaboração chega hoje ao fim.
A segunda razão é mais simples, e contradiz pela sua clareza todas as insinuações feitas no texto de Pedro Filipe Soares sobre manipulações ou intenção delas dos acionistas, sejam eles quem forem, sobre a linha editorial do DN. E é esta: respeitamos a liberdade de opinião de quem convidamos e a quem abrimos as nossas páginas. Se há um princípio sagrado e inviolável é esse. No DN não se pratica censura, mesmo se o que publicamos possa ser desagradável, e no caso especulativo, misturando alhos com bugalhos e fazendo eco de polémicas e insinuações não-confirmadas que circulam.
É pública a difícil situação da Global Media, proprietária do Diário de Notícias, e especialmente dos seus jornalistas e funcionários, a quem não foi pago nem o Subsídio de Natal, nem o último salário. Mas essas são contas de outro rosário e, além das formas de luta que só aos trabalhadores compete decidir - entre as quais a adesão à greve marcada para a próxima quarta-feira -, só nos resta depositar confiança na promessa dos acionistas de que estão a fazer todos os esforços para resolver a situação.
A actual Direção do DN, em funções há pouco menos de dois meses e com a incumbência, que tentará cumprir, enquanto tiver para isso condições, de revitalizar o jornal, regista que não viu qualquer manifestação de solidariedade quando este jornal com século e meio foi alvo de mais de meia centena de despedimentos que comprometeram gravemente a sua existência, ao ponto de ter deixado de se publicar em papel.
O que Pedro Filipe Soares fez, ao escrever o que escreveu sobre a situação do grupo que é proprietário do DN, foi pisar uma linha vermelha. Não uma linha vermelha traçada pelos proprietários, mas uma linha vermelha traçada pelos mais elementares princípios da ética, da deontologia e da vergonha. Se fosse uma notícia, ou uma reportagem, com as insinuações, a alegação de factos sem confirmação e sem verificação de fontes, e a especulação sobre motivos e intenções, não seria publicado e o seu autor mandado para a escola primária do jornalismo. Sendo um texto de opinião, publique-se. Mas é a última vez.