Era bonito, mas não é bonito!
O primeiro-ministro apanhou muitas vezes boleia do Presidente da República para resolver o jogo a seu favor, mas há uma coisa em que António Costa, por muito que mimetize a retórica palaciana, não conseguirá igualar Marcelo Rebelo de Sousa: distinguir corretamente o que é a "bolha mediática" do que é o sentimento do povo.
Dia de Natal é tempo de "paz", de "confiança" e de "solidariedade", lembrou-nos o primeiro-ministro na tradicional mensagem natalícia. Parece haver um claro excesso de confiança no chefe do governo, que admite "a incerteza que nos rodeia no cenário internacional", mas vê o país com capacidade para "acudir à emergência climática, assegurar a transição digital, vencer o desafio demográfico" e, Santo Graal, "reduzir as desigualdades". A bolha mediática começaria de imediato a pesquisar a evolução da taxa de pobreza, bem como da distribuição de riqueza, e rapidamente descobriria que já foi pior e já foi melhor, mas a cada crise há mais pobres e mais milionários. O povo nem perde tempo a olhar para a estatística, olha para o ano que passou a secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, e pensa "só a mim não me acontecem estas coisas".
Estar na administração de uma empresa do Estado, ser despedida pelo Estado, receber meio milhão de euros de indemnização (diz o PR que lhe disseram que tinha direito ao triplo!!!), para ser contratada novamente pelo Estado meses depois e acabar, a seguir, no governo é igual a jogar no euromilhões e conseguir o prémio. Os restantes 10 milhões ficam só a tentar perceber como é que se pode ter tanta sorte.
Marcelo, homem das leis encartado e afamado, diz que é tudo legal e o povo nem por um minuto duvida do Presidente. Mas o Presidente sabe que o povo se está a marimbar para a legalidade da coisa. Para "muitos portugueses faz impressão", diz Marcelo. E é que faz mesmo!
Por causa do Natal, Santo Natal, saí da bolha mediática em que habito a quase totalidade do ano e fui ter com o povo (família e amigos de infância). Gente trabalhadora, reformados, gestores, empresários, estudantes, as pessoas a quem pertence o dinheiro com que foi agraciada a senhora secretária de Estado do Tesouro. Nem vale a pena fazer piadas com a pasta de Alexandra Reis (o fantástico Tesouro), porque a questão nada tem a ver com a sua ida para o governo. O povo acha estranho que estas coisas aconteçam com tanta facilidade e o povo está cansado. Marcelo sabe disso e, por isso, diz que "há quem pense que seria bonito se Alexandra Reis prescindisse disso". Quando Marcelo diz que o povo pensa que seria bonito, está a dizer-nos que, como está, não é bonito.
O primeiro-ministro pode ter uma mensagem de Natal carregada de confiança e encher-se de boa vontade para fazer de Portugal "um país onde as gerações futuras terão a liberdade de seguir os seus sonhos e as oportunidades para construírem o seu futuro" se, ao mesmo tempo, o Presidente da República arranja tempo para alimentar a bolha mediática com o que vai na alma do povo é um país inteiro que se afirma, pela enésima vez, indignado com a forma leviana como é desperdiçada a riqueza que resulta do seu trabalho. E, neste caminho, é a Democracia que sofre.
Jornalista