Entre o Escudo e a Espada: Portugal Está a preparar-se para a Guerra do Futuro?
A alteração da ordem mundial, que começou com a invasão da Ucrânia pela Rússia e entrou em aceleração após a chegada de Trump à Casa Branca, veio impor novas abordagens à forma como a Europa e os Estados Membros devem encarar a reorganização militar do velho continente, sobretudo, quando se prepararam para fazer o maior investimento em defesa desde a Segunda Guerra Mundial.
Isto, claro, apesar de o Parlamento Europeu, mais concretamente a Comissão dos Assuntos Jurídicos, ter recentemente rejeitado por unanimidade a base jurídica proposta pela Comissão para que o SAFE, o programa que prevê os 800 mil milhões de euros para financiamento da reestruturação militar dos países da União, fosse aprovado apenas com uma maioria qualificada no Conselho Europeu.
Apesar deste aparente impasse, a questão que realmente interessa é saber se a Europa e o Estados Membros sabem como é que vão aplicar esse financiamento. Isto é, se já há uma ideia concreta sobre quais os desafios militares do século XXI para os quais temos de estar preparados ou se o dinheiro vai continuar a ser gasto na doutrina militar do passado.
A resposta, por mais inesperado que possa parecer, pode estar na recente transformação militar anunciada pela Grécia, com um investimento de €25 mil milhões ao longo de 12 anos. Um exemplo, aliás, que Portugal não pode ignorar para garantir a sua segurança nacional e reforçar o seu papel no contexto europeu e da NATO.
O ambicioso programa grego, descrito como "a mais drástica transformação na história das forças armadas gregas", reflete uma adaptação às novas realidades da guerra moderna e uma visão estratégica de longo prazo, baseada numa mudança completa na sua doutrina militar. Está centrada nas tecnologias avançadas, como a inteligência artificial, os sistemas de defesa anti-míssil, anti-drone, anti submarino e as capacidades cibernéticas e tem no seu cerne o sistema "Achilles Shield"; (escudo de Aquiles), que integra defesas multidimensionais contra ameaças aéreas, marítimas e terrestres e que aposta na participação ativa da indústria do país em todos os projetos de defesa, através de inovação local e, desta forma, reduzir a dependência externa.
Segundo especialistas gregos, este modelo responde não apenas às tensões regionais com a Turquia, por exemplo, como também permite à Grécia posicionar-se como um pilar estratégico dentro da União Europeia e da NATO.
Além disso, esta abordagem demonstra que investir em tecnologia militar avançada e fortalecer a indústria nacional não é apenas uma questão de defesa, mas é também um motor para o desenvolvimento económico. Vale a pena lembrar, a este propósito, que Silicon Valley começou, precisamente, por ser um cluster de inovação suportado pelos três ramos das forças armadas americanas e só mais tarde, quando já estava consolidado, foi entregue ao “mercado livre”.
Um modelo, aliás, que parece inspirado naquilo que parece ser a doutrina militar dominante, olhando para aquilo que os próprios Estados Unidos estão a fazer. Segundo infirmações divulgadas recentemente, entre 2024 e 2025, está em curso nos EUA uma transformação estrutural na defesa, impulsionada por uma mudança significativa nas prioridades orçamentais e estratégicas. De acordo com essa informação, mais de 50 mil milhões de dólares estão a ser redirecionados para tecnologias emergentes, como drones, sistemas anti-drones e plataformas com inteligência artificial, com uma aposta crescente em soluções comerciais de uso duplo em detrimento de equipamentos concebidos exclusivamente para fins militares.
Este reposicionamento estratégico é evidente na redução da frota de superfície da Marinha americana, que deverá contar com apenas 290 navios em 2025 (menos 7% face a 2020), enquanto os sistemas não tripulados ganham protagonismo, com mais de 150 embarcações previstas. Simultaneamente, a aviação do Exército antecipa um aumento de 15% nas taxas de prontidão após a retirada dos helicópteros Apache, numa clara aposta em capacidades distribuídas e não tripuladas para enfrentar adversários tecnologicamente equiparados.
Ou seja, para Portugal poder aproveitar esta oportunidade que se prepara na Europa vai ser necessário ir muito para além dos investimentos de €5,57 mil milhões previstos até 2034, destinados à modernização de equipamentos, nos quais se incluem programas como o "Air Force 5.3";, com a introdução de drones MALE (Medium Altitude Long Endurance) e de helicópteros UH-60 Black Hawk.
Trata-se de uma verba que deixa o país ainda longe dos 2% do PIB em gastos com defesa exigidos pela NATO, pelo que o exemplo grego pode ser muito útil para perspetivar o desenho futuro das forças armadas portuguesas. Por outro lado, Portugal deve, também, estar atento ao que contrato que a Tekever acabou de celebrar com a Força Aérea Britânica (Royal Air Force) e o programa de 200 milhões de investimento que a empresa portuguesa vai fazer no Reino Unido.
Do meu ponto de vista, acelerar ou aumentar verbas disponíveis para o programa de investimento previsto é positivo, mas insuficiente para enfrentar as ameaças emergentes do século XXI. Portugal precisa de uma estratégia abrangente que inclua mais integração tecnológica, mais robustez na cibersegurança das FAA´s e maior capacidade ofensiva, uma reorganização estrutural, para racionalizar as estruturas militares e modernizar processos administrativos, e uma aposta na criação de inovação local para promover o desenvolvimento da indústria nacional, através de parcerias com startups tecnológicas e empresas nacionais de defesa.
O aumento das metas da NATO para os investimentos em defesa, deve, por isso, ser um elemento adicional de estímulo para Portugal empreender a necessária transformação das forças armadas, não por uma questão de obrigação internacional, mas por uma necessidade existencial, para assegurar que o país está preparado para defender os seus interesses na arena geopolítica. E, também, porque investir na defesa não é apenas uma questão militar, mas um investimento no futuro do país.
Como afirmou o Presidente da República: "Mais vale madrugar do que perder um tempo histórico." É um alerta importante, porque não podemos perder a oportunidade de aprender as lições militares que esta “Guerra de Adaptação” na Ucrânia nos pode ensinar e promover as alterações necessárias por antecipação. Um escudo, para os países que, como a Grécia, querem sobreviver e prosperar num mundo em mutação acelerada.
Observatório de Segurança e de Defesa da SEDES