Entre a miss simpatia e ganhar o Euromilhões

Uma das maiores dúvidas sobre Portugal e a União Europeia é saber o que é que o país quer da Europa. O dinheiro dos fundos, importações mais baratas, acesso a mercado, padrões europeus na legislação, da proteção dos consumidores às regras sobre ambiente, da concorrência à liberdade económica. Tudo isso, evidentemente, mas tudo isso é mais ou menos o mesmo que os restantes parceiros da UE também querem. A pergunta inicial, porém, é outra.

Nas próximas semanas Ursula von der Leyen e a sua equipa vão apresentar o programa de trabalho da Comissão Europeia para o ano de 2022. Apesar da pandemia e da alteração das circunstâncias económicas, é a continuação do que foram as prioridades anunciadas quando a sua equipa iniciou funções. Sobre isso, tanto os Estados membros como os deputados europeus são chamados a opinar e a decidir - ao contrário do que se ouve com frequência, de cada vez que a Comissão Europeia propõe o que quer que seja, Bruxelas não está a decidir nada, está só a iniciar-se uma discussão que costuma demorar dois, três ou mais anos e modificar-se bastante pelo caminho. É sobre isto que é difícil saber o que pensa Portugal. E não é um problema de agora, deste governo específico. É um mal do país.

Durante o primeiro semestre deste ano sabia-se quais eram as nossas prioridades porque eram as prioridades específicas da presidência portuguesa: um misto de interesses permanentes (que vão do mar às relações com África, do atlantismo à disponibilidade dos fundos), ganhos políticos (como foi a cimeira social e a cimeira com a Índia) e prioridade a alguns dossiês que calhava poderem ser fechados no nosso turno (como foi a negociação da reforma da PAC).

A questão que se coloca agora é saber quais são os nossos interesses enquanto país. Claro que esquerda e direita, cosmopolitas e nativistas não terão o mesmo olhar para o mundo e os problemas, mas podíamos, pelo menos, listá-los e discuti-los no país.

Que implicações tem para Portugal a alteração da situação mundial, com o aumento da tensão entre Estados Unidos e China e a mudança de prioridade regional para os americanos? Isso leva-nos a defender maior integração da defesa e segurança europeias no contexto da NATO ou, pelo contrário, preferimos mais "autonomia estratégica" e uma defesa europeia reforçada?

A teoria, muito em voga em Bruxelas, de que a prioridade à resposta às alterações climáticas é uma forma de a Europa liderar a economia da transição verde tem eco cá? Isso quer dizer que queremos estar na cadeia de valor das baterias e do hidrogénio, por exemplo, ou apenas que o mundo em geral, e Europa em particular, consuma menos, emita menos e alguém subsidie os custos disso tudo?

E a transição digital, para Portugal quer dizer o quê? Temos interesse em incentivar campeões europeus ou preferimos ser aliados das big techs?

E nas questões institucionais? Queremos uma revisão das regras e constrangimentos orçamentais, para poderemos ter dívida e défice (quase) sem limites? E nesse caso estamos dispostos ao quid pro quo? Ou achamos que maior endividamento com risco de contágio aos restantes Estados membros se faz sem uma maior vigilância externa das nossas contas?

Pode-se apenas gostar do dinheiro da Europa e dizer que se quer coisas bonitas como a paz no mundo, melhor ambiente, proteção social, menos pobreza, mais solidariedade e, de um modo geral, a felicidade. Mas isso é um cruzamento da miss simpatia com o sonho de vencer o Euromilhões, não é uma estratégia nacional.

Consultor em assuntos europeus

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