Energia nuclear: cara, lenta, perigosa, errada
Como substituir a energia fóssil de forma que as alterações climáticas não acabem com este mundo bonito em que vivemos? Como diminuir a conta da luz, gás e veículos? Nuclear, ouve-se cada vez mais. Em Portugal seria totalmente errado. Optar pelo nuclear seria abdicar de um enorme potencial de exportação de energia renovável e hidrogénio verde em troca de uma solução milionária, que demora pelo menos 20 anos a concretizar, e geradora de um buraco negro num qualquer território que fosse escolhido.
Estamos hoje na antecâmara de sermos exportadores de energia em escala significativa pela primeira vez na nossa história. Vento, hídrica e solar fazem um mix extraordinário que, além do uso direto, potencia soluções de hidrogénio verde capazes de garantir alguma autossuficiência nos transportes em poucos anos. Imaginem a nossa economia sem a importação milionária da energia?
Pelo contrário, o nuclear começa logo por nos fazer depender da importação de urânio - e o urânio é ainda mais escasso que muitas das matérias-primas sobre as quais há lutas globais. Ficar de novo nas mãos dos donos do urânio, quando estamos a um passo da energia mais limpa e barata da história da humanidade, seria cair no mesmo erro em que estamos agora.
Claro que o vento, o solar e a hídrica têm problemas de regularidade. É aí que entra a importação de gás ou de energia nuclear, vinda de Espanha. Porque não há consumidores com tabu nuclear. O problema do nuclear não é o que já está feito. É pensá-la em pleno século XXI como limpa, nova, salvadora.
Ficar de novo nas mãos dos donos do urânio, quando estamos a um passo da energia mais limpa e barata da história da humanidade, seria cair no mesmo erro em que estamos agora.
Outra questão é estarmos a assistir a este assalto sobre a humanidade - triliões de euros/dólares entregues à Rússia, países árabes e grandes companhias da energia. Mas pensar o futuro esmagados por esta bitola deste terror é levar o mundo para um estado de destruição superior. Para quem tem dúvidas, o caso ucraniano de Zaporíjia demonstra todos os dias a fragilidade das centrais nucleares em contexto hostil. E, se não basta o risco extremo de um ataque a uma central nuclear, pensemos na multiplicação de urânio enriquecido a circular por cada vez mais países.
Por fim, o caso finlandês demonstra bem o que é uma colossal derrapagem de prazo e orçamento na construção de uma central nuclear: estava previsto um custo de 3 mil milhões, prevê-se que termine em 11; supunha-se que abria em 2009 e iniciou testes este ano (mas ainda sem data de funcionamento). Tudo isto na honestíssima e rigorosíssima Finlândia.
Qualquer solução baseada no nuclear favorece os mesmos gigantes da energia de sempre, que continuarão com os oligopólios de fornecimento, em vez de uma energia cada vez mais democrática, autoproduzida e partilhada por cada vez mais painéis solares espalhados transversalmente por países com um número de horas de luz solar invejável.
E, se não bastasse tudo isto, já aqui referi o que sistematicamente os defensores do nuclear omitem: a energia nuclear tem um custo técnico que não para de subir, enquanto as tecnologias renováveis não param de se tornar mais baratas. Quem fez essa investigação exaustiva, com dados de mais de 50 anos de mercado, foi uma vasta equipa de Oxford que a publicou no Democracy Journal. Ou seja, com uma gota de investimento nuclear transferido para tecnologia das baterias (diversas, não apenas de lítio), teríamos a intermitência solar parcialmente resolvida em menos de 10 anos. Conclusão: não podemos ir desesperadamente na cantiga dos donos disto tudo.
Jornalista