Considero Emmanuel Todd um dos poucos profetas do nosso tempo.E penso assim desde que, em 1976, li La chutte finale - Essai sur la décomposition de la Sphère Soviétique, o livro em que diagnosticava a implosão da União Soviética.Era obra. Na altura, depois do Watergate e no rescaldo da queda de Saigão e da trágica descolonização portuguesa, pensava-se exactamente o contrário - que era o Mundo Livre que estava a caminho do fim.Todd é um realista incómodo que, no ano passado, publicou outra obra notável - La Défaite De L’Occident -, contrariando a maioria das opiniões sobre as sociedades da Euro-América e o seu confronto com o resto do mundo.Daqui sobressai um retrato crítico da sociedade norte-americana, onde se enfrentam o populismo do povo e o vanguardismo decadente das elites. Quando o livro saiu, ainda não se sabia que eram os populistas que iriam triunfar, com a inesperada tríade - Trump, Vance, Musk.A propósito da “derrota do Ocidente”, Todd fala da guerra da Ucrânia e das suas surpresas - a da resistência da Ucrânia, tida como uma nação corrupta e decadente, e a da resistência russa às sanções do Ocidente. E vê na invasão o conflito entre uma Rússia nacionalista, religiosa e conservadora, chefiada por um antigo quadro da segurança soviética, e um Ocidente colonizado pelas modas absurdas do wokismo, de onde desapareceram os valores de trabalho e de disciplina social, os “valores do protestantismo” de Max Weber, sustentáculo da Anglo-América, e não só.É claro que, a maioria dos críticos, se apressou a desqualificar o livro de Todd como “propaganda do Kremlin e de Putin”, um desses estratagemas da reductio ad hitlerum que ainda funcionam em sociedades dependentes como a nossa.Todd é um sábio que, a partir do estudo das estruturas familiares e da sua influência nos valores sociais, vai revelando verdades inconvenientes sobre tudo o que é politicamente correcto: assim, em Les Luttes de Classes en France au XXI ème siècle, mostra “a pauperização geral da sociedade francesa, disfarçada por um aparelho estatístico cego às inflexões profundas do nível de vida”; uma sociedade onde “élites surdiplômées”, imbuídas de um conformismo mortífero, dominam uma “democracia representativa moribunda”.Este diagnóstico pessimista é de 2020, mas o cepticismo de Todd em relação à União Europeia é mais antigo; vem do seu livro L’Invention de l’Europe (1990), onde analisa a modernidade europeia, da Reforma e da Revolução Francesa até Maastricht, a partir dos tipos de família dominante: a família “igualitária”, onde a quota da herança familiar é igual entre os filhos; e a família “absoluta”, onde os pais podem repartir, à vontade, a herança entre os filhos. Estas divisões - e subdivisões - têm, para ele, profunda influência nas ideologias e nos valores sociais.E, a propósito, escreve sobre a União Europeia:“Este livro não foi escrito a favor ou contra a Europa. Limita-se a testar uma hipótese sobre a relação entre a diversidade das estruturas familiares e a diversidade das trajectórias históricas. Mas espero que permita a alguns europeístas sondar a divisão antropológica das nações. E espero que alguns deles, partindo, como eu, de bons sentimentos europeus, cheguem também à conclusão de que o Tratado de Maastricht é uma obra de amadores, ignorantes da História.” *Politólogo e escritorO autor escreve de acordo com a antiga ortografia