Emmanuel Macron e o seu labirinto

Publicado a
Atualizado a

Se fosse francês, teria votado pela reeleição de Emmanuel Macron. Mas reconheceria agora que o presidente francês está presentemente confrontado com um quadro político muito difícil, ao qual nem sempre tem respondido com a clareza necessária. Internamente, a cena política está totalmente fragmentada. O que tem sido aprovado na Assembleia Nacional, incluindo o programa de governo e as medidas orçamentais, tem exigido o recurso a uma disposição excecional da Constituição. Mais tarde ou mais cedo, Macron terá de dissolver a Assembleia, pois não pode continuar a governar por muito tempo com recurso ao famoso artigo 49.3, que permite fazer passar leis se não surgir nas 24 horas seguintes um voto de censura na Assembleia Nacional. É uma situação evidente de fragilidade.

Externamente, a fragilidade é doutro tipo. É verdade que foi recebido com pompa e circunstância nos EUA, mas não conseguiu convencer Joe Biden a mudar um só milímetro que fosse a sua nova política de apoio maciço às empresas americanas que operam no domínio das tecnologias não-poluentes, nomeadamente as ligadas ao sector automóvel, que ficam em vantagem absoluta quando comparadas com as francesas ou as do resto da União Europeia. Essa política de Biden - Inflation Reduction Act (IRA) - põe à disposição das empresas que invistam nos EUA, incluindo as europeias, um total de 369 mil milhões dólares em subsídios. Isso irá provocar uma deslocação dos novos investimentos das grandes indústrias europeias para a América. Em vez de tentar uma solução alternativa na Europa - que passaria por tarifas aduaneiras específicas ou pela introdução de subsídios similares no espaço da UE - Macron foi suplicar em vão que as vantagens atribuídas pelo programa IRA também se aplicassem aos produtos europeus, quando vendidos no mercado americano.

Não mencionarei as dificuldades francesas na África Ocidental e Central, que são cada vez mais patentes. Certos dirigentes africanos dizem, há anos, que cabe aos africanos resolver os seus problemas. Respeito essa posição, embora lhes tenha repetidamente referido que a liderança cabe certamente aos políticos desse continente, mas que a cooperação internacional não deve ser posta de parte. Antes pelo contrário, nesta altura da história, quando os problemas de alguns podem rapidamente transformar-se em tempestades internacionais.

Mas voltando ao presidente francês, penso que em matéria externa, o foco tem de ser a resolução da questão ucraniana. Emmanuel Macron anda há mais de duas semanas a tentar falar com Vladimir Putin, sem qualquer tipo de sucesso. Putin discutiu recentemente ao telefone com o chanceler Olaf Scholz, mas não responde às chamadas de Macron. E este continua a repetir que tem prevista em breve uma conversa com o patrão do Kremlin.

No final da semana passada, numa entrevista a uma rádio francesa, defendeu posições que faziam eco, em grande medida, de afirmações feitas anteriormente por Putin. Creio que pretendia assim mostrar alguma proximidade com as preocupações de Putin e conseguir, finalmente, apanhá-lo na outra extremidade da linha. Foi um erro, Putin não entra em jogos de simpatia. Continua a desdenhar conversar com Macron. E a posição deste deu azo a muitas críticas, vindas dos países aliados da Europa do Leste e da própria Ucrânia. No contexto mais imediato, Macron perdeu peso político.

Macron não pode esquecer três questões fundamentais: (1) a guerra é da responsabilidade única da Rússia, (2) que tem praticado um sem número de crimes de guerra e (3) que violou o Memorando de Budapeste de 1994. De sublinhar, a propósito desse memorando, que reconhece a independência e as fronteiras da Ucrânia, que os dois outros signatários - os EUA e o Reino Unido - têm o direito e o dever de reagir, perante um tratado internacional de que são partes e que o outro signatário, a Federação Russa, agora rasgou.

Frente a Vladimir Putin, Emmanuel Macron tem de deixar de parecer o ingénuo da fita. Deve mostrar que está preocupado com a escalada contínua da agressão russa e dizer claramente que a história nos ensina que as escaladas levam sempre à erupção de conflitos de grandes proporções. Esse é o grande perigo agora iminente e é esta a mensagem que deve ser repetida, seja por que via for.

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt