Em fogo lento
Fernando Medina é um homem politicamente vulnerável por vários casos que protagonizou enquanto presidente da Câmara de Lisboa e enquanto ministro das Finanças. Desde a forma como se esquivou de culpas no polémico envio de e-mails com dados de manifestantes anti-Putin para a Rússia - relegando quase exclusivamente para um técnico subalterno o arcar das culpas -, até ao trapalhão despedimento da CEO da TAP sem um parecer jurídico que o suportasse, são várias as manchas no currículo político de Medina.
O envolvimento na Operação Tutti-Frutti não é um deles. Neste caso, e particularmente neste caso, Fernando Medina - e também Duarte Cordeiro - tem razões para se sentir uma vítima do sistema sem rosto da Justiça portuguesa e dos órgãos de investigação, um sistema que orquestra fugas de informação seletivas, “queimando”, pelo caminho, um ou outro indesejável. Se há nesta hidra uma cabeça que pense mais do que as outras, uma mente que tenha uma agenda mais definida do que as outras, é difícil de apurar. Como também é difícil de perceber se tudo não passa de manobras para disfarçar a lentidão, a notória falta de eficácia, ou ambas, nas investigações.
A Operação Tutti-Frutti investiga desde 2018 (não é gralha, é mesmo 2018) alegados favorecimentos a militantes do PS e do PSD, através de avenças e contratos públicos, estando em causa “suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influência, participação económica em negócio e financiamento proibido”.
De março de 2022 a abril de 2024, enquanto Medina foi ministro das Finanças - com todos os poderes que tinha sobre os Orçamentos de todos os organismos que o Estado paga - nada se soube, e bem, sobre o seu envolvimento neste caso. É assim que funciona uma investigação: em segredo até se acusar alguém.
Mas quando deixou de ser ministro, não passaram nem quatro meses para que se tivesse ficado a saber, através de uma comunicação do Ministério Público ao Parlamento, que o deputado Fernando Medina seria ouvido como arguido no caso, por suspeita da “prática de um alegado crime de prevaricação”. Medina defendeu-se como pôde, fez um comunicado a explicar-se e arrumou numa gaveta as hipóteses de poder vir a disputar a liderança do PS a Pedro Nuno Santos.
Constituído arguido em setembro, haveria de esperar até fevereiro deste ano para saber que, afinal, o Ministério Público não conseguiu encontrar uma forma de o acusar dos crimes de que era inicialmente suspeito. Por esta altura, com ou sem presunção de inocência, com ou sem segredo de justiça, já todos os negócios analisados eram do conhecimento público através da comunicação social.
Ilibado no despacho de acusação, o Ministério Público ainda lhe reservou um último agravo: uma descrição pormenorizada das interações que manteve com vários intervenientes, alvo de escutas, e uma “censura” do tipo ético-moral sobre os seus comportamentos à frente da autarquia de Lisboa, que - no entender dos magistrados - “se desviam e atropelam as normas que enquadram o exercício das funções públicas, e, por isso, ilícitos, reveladora de um modo de gestão e funcionamento da res publica merecedor de um juízo de censura”.
Traduzindo: “Não consigo acusar um senhor que já queimei em praça pública, mas aqui fica - com o contexto que eu entendo - uma série de anotações para que todos possam tirar a conclusão de que algo não esteve bem.
Algo não está, de facto, bem: se fazem isto às figuras públicas, eleitas e com algum poder, que atropelos não farão ao cidadão comum.
Diretor-adjunto do Diário de Notícias