É inevitável, a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas tem de servir de ponto de partida para uma reflexão sobre o estado do jornalismo. Nos meses, semanas e dias que antecederam as Eleições Presidenciais norte-americanas, foram muitas as análises enviesadas que apontavam para um “empate técnico”, ou mesmo para uma vitória da candidata democrata. Trump foi frequentemente reduzido a uma caricatura e o movimento conservador que o levou à vitória foi muitas vezes retratado de forma desfavorável, simplista e nem sempre isenta..O mesmo sucedeu em sentido inverso, na forma como os meios conotados com a direita cobriram a candidatura de Kamala Harris..Infelizmente, podemos dizer que, em muitos casos, o jornalismo falhou na sua nobre missão de informar com objetividade, independência, isenção e rigor. .Com tudo isto, a reputação da comunicação social mainstream nos Estados Unidos está de rastos, com algumas sondagens a indicarem que a maioria dos cidadãos deixou de confiar nos jornais e nos jornalistas..Neste contexto, tanto nos Estados Unidos como em Portugal, os cidadãos procuram cada vez mais outro tipo de conteúdos, como podcasts e sites alternativos. A importância destes podcasts ficou patente nas eleições norte-americanas, com os candidatos a concederem-lhes entrevistas que antes seriam exclusivas dos canais de informação ou dos jornais mais relevantes. Superaram mesmo a importância das entrevistas concedidas a comunicadoras como Oprah Winfrey, que, não sendo verdadeiro jornalismo, são frequentemente apresentadas como tal (numa tendência a que também temos assistido em Portugal)..Muitos destes novos players são assumidamente parciais, de esquerda ou de direita, mas quem os segue sabe disso e não vai ao engano, porque não é credibilidade e isenção que procura..Quer isto dizer que o jornalismo tradicional e as marcas legacy estão condenadas a morrer ou, em alternativa, a seguir também o caminho da polarização ideológica? Diria que o que não tem futuro é o jornalismo militante, de facção, que olha para os cidadãos de cima para baixo e lhes tenta ensinar o que devem pensar e fazer. Esse jornalismo doutrinário concorre hoje com mil e uma outras formas de comunicação e propaganda, que, graças às novas tecnologias, são muito mais eficazes nesse domínio. E, ao mesmo tempo, falta a esse jornalismo a credibilidade necessária para que possa construir modelos de negócio sustentáveis, numa era em que as audiências, por si só, não chegam para pagar contas..O caminho tem, por isso, de passar por um jornalismo mais humilde e menos pretensioso, que faça um esforço genuíno e sincero em prol da objetividade e da isenção, para que possa chegar o mais perto possível da verdade e diferenciar-se através de informação credível que ajude a tomar decisões esclarecidas..É aqui que reside o verdadeiro elemento de diferenciação do jornalismo de qualidade. Mas, para isso, temos de regressar às velhas regras deontológicas e cumprir a nossa missão, filtrando os factos realmente relevantes, para, de seguida, os validar, fazer o contraditório e servi-los ao nosso público, inseridos num contexto significativo..Este jornalismo, se feito com o máximo de independência, rigor e isenção que a condição humana permite, terá sempre valor e futuro, apesar da difícil transição que o modelo de negócio dos media atravessa, porque oferece algo que ninguém mais consegue proporcionar: informação que tem valor.