Elogio da diferença
Ao longo deste meio século consecutivo de democracia que Portugal vive, pela primeira vez, fomos vencendo várias resistências.
Conseguimo-lo no respeito pelas diferenças, mesmo quando muito profundas. Quando, em tempos mais radicais, as diferenças quase inviabilizavam a vida em sociedade fomos capazes de as superar.
Os líderes políticos que o país conheceu ao longo destes cinquenta anos foram-nos sempre ensinando que as diferenças entre os portugueses, por mais acentuadas, não poderiam basear-se no estímulo das características menos racionais do ser humano.
Aprendemos, todos, que a Democracia é diferença, diferença dentro de um quadro comum de regras e princípios, enformados pelos valores essenciais da liberdade, individual e colectiva, da igualdade, de acesso e de exercício de direitos, e da defesa da dignidade da pessoa humana.
E também sabemos que a democracia é o regime em que se vence pela capacidade de convencer o outro. Ninguém, nunca, é dono de ninguém.
É, por isso, que o combate pela democracia nunca está ganho em definitivo.
Tempos houve em que foi posta em causa por alguns que pretendiam mudar de regime. Ou porque serventuários de ideais nacionalistas, justicialistas e totalitários, ou porque deslumbrados com “o sol da terra”, com que quase todos vieram a romper.
Hoje é tudo bastante mais difuso e menos “a preto e branco”.
É aqui que surge o que hoje é o mais relevante inimigo da democracia, e que nela quer encontrar a sua legitimidade – o populismo.
Como escreveu Francisco Assis , em 2016: “O povo e as elites: uma falsa dicotomia. Em nenhuma sociedade democrática e pluralista se pode aceitar a ideia de uma representação popular unívoca, nem tampouco a de uma elite monolítica”.
Porque é obrigação estrita dos democratas o combate ao populismo, é que me foi especialmente penoso ouvir o Secretário-geral do meu Partido dizer: “É muito importante que todos os militantes, nomeadamente que têm acesso ao espaço mediático, que vocês não têm, tenham sentido de responsabilidade”.
Não. A diferença entre nós e os outros é ideológica, é de pensamento. Não a diferença, politicamente de má memória, entre “as elites e o povo”. Manuel Alegre, a quem ouvi muitas vezes dizer “a esquerda é vária e diversa”, diz num seu poema de 1984, “A nossa força é a diferença”.
Se há traço identitário constante de toda a história do PS, esse traço comum é o da liberdade de pensamento e do respeito, e até estímulo, da liberdade de opinião.
Foi na diferença, na capacidade de acolher, mobilizar e integrar portugueses com várias origens ideológicas e diferentes percursos, que se foi construindo o partido popular que tem sido o PS.
A bem da democracia e do elogio da diferença e da tolerância é essencial que assim continue.