Elétricos não carregam à velocidade da luz
Quem conduz veículos elétricos sabe como eles representam duas coisas: uma extraordinária suavidade associada a uma permanente dúvida - onde se carregam quando se sai das cidades. E há outra tensão, mesmo nas autoestradas: quanto tempo se demora a carregar caso já esteja alguém à espera do único posto rápido. Porque os fabricantes andam a fazer de conta que vendem carros com carregamento rápido, mas isso só é verdade nos modelos topo de gama. Nos outros, as pessoas deparam-se com limitações de carregamento significativas (quase sempre abaixo dos 100 kilowatts/hora), tornando a duração das viagens uma incógnita. E isso resulta também, em boa parte, por só haver um (note-se bem: 1) posto de carregamento rápido (acima de 100 kWh) em cada área de serviço das principais autoestradas do país - à exceção dos estratosfericamente bons postos da Cepsa/Ionity, mas infelizmente a cobrar kilowatts ao preço do gasóleo.
A par disto, estamos a fazer uma transição energética com as prioridades trocadas. Os automóveis elétricos deveriam substituir veículos fósseis que andam todos os dias na rua em trabalho profissional, ou então serem a melhor opção para quem faz muitos quilómetros diários. Só que as baterias disponíveis estão a ser dirigidas para carros supostamente mais baratos, à procura de uma clientela citadina que, em vez de transportes públicos ou bicicletas, continua a usar o carro ‘verde’. E invadimos as grandes cidades ainda com mais carros.
Outro problema é um desconhecimento fatal de quem vai comprar. A questão não é a “autonomia” que o fabricante anuncia. É outra: qual a real capacidade de bateria. Ou seja, quantos kilowatts/hora de eletricidade armazena. E isso não tem resposta. Uma conta simples: se a bateria do carro armazena 60 kWh, e este consume 20 kWh por cada 100 km, significa que vai percorrer 300 quilómetros. Mas, note-se: nunca são 300 porque quando faltam, por exemplo 50 km, é preciso pensar onde carregar. Pela experiência com diferentes veículos na autoestrada A1, a uma velocidade entre 120 e 130 quilómetros, com duas ou três pessoas e ar condicionado ligado, um carro elétrico gasta pelo menos 21 a 22 kWh por cada 100 km - por exemplo, ID3, da Volkswagen, ou Hyundai Kauai. Só indo muito devagar se consegue fazer um Lisboa-Porto sem um carregamento. Esta é a conta simples de autonomia, nunca explicada. Vão falar-lhe do “WLTC”, que é uma ficção de laboratório.
Mas o paradigma da autonomia vai mudar porque estamos na antecâmara das novas baterias, com o dobro da capacidade, muitas das quais sem lítio. O uso do silicone (a base é o silício, o segundo mineral mais presente na crosta terrestre em coisas tão básicas como argilas ou granitos) já está em teste na israelita Storedot - apoiada por empresas como a BP, Volvo, Daimler ou Samsung. A pegada ambiental de um carro elétrico será ainda mais limpa e sem promover a devastação ambiental em África - e também no Alto Minho e Serra da Estrela, como quer a Galp, etc...
Por outro lado, estamos já em abril, mas a entrópica máquina do Ministério do Ambiente não conseguiu abrir as candidaturas do Fundo Ambiental para apoio aos veículos elétricos. Ainda assim, esta transição para uma nova era está globalmente em marcha. Exigiria empenho do Governo português, das autarquias e grandes empresas que gerem redes elétricas. Mas os paquidermes não se movem à velocidade da luz. E assim, quem vende carros, vende sonhos. Quem vai para a estrada, tem de levar o ânimo de fazer parte da mudança de paradigma. Isso exige paciência e otimismo.