Eleições que ninguém quer, mas que ninguém evita

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Termina hoje o prazo para a entrega das listas de candidatos a deputados à Assembleia da República, tendo em vista as eleições legislativas marcadas para o próximo dia 18 de maio. E não era preciso chegar ao fim do prazo para perceber que, desta vez, as alterações na composição parlamentar serão significativas.

Um primeiro conjunto de fatores que contribui para esta mudança tem origem nas próximas eleições autárquicas, que assumem aqui um papel central. Afinal, evitar a duplicação de nomes nas listas Autárquicas e Legislativas é, no mínimo, uma exigência ética num momento em que todos os partidos se esforçam por proclamar valores como a transparência.

Neste contexto, encontramos casos distintos: aqueles que, de forma clara e sem hesitações, optaram por um caminho — como no Porto, com Manuel Pizarro; aqueles cuja decisão refletiu a sua consciência (mas sempre depois da indicação/orientação nacional do partido); e ainda os que decidiram ser candidatos a deputados agora, e mais tarde a presidentes de câmara (ou, mais realisticamente, a vereadores).

Por outro lado, é fácil compreender a composição das listas hoje entregues aos tribunais. São, em grande medida, um exercício de consolidação interna, reunindo os mais próximos e leais apoiantes de cada liderança partidária. Esta lógica é transversal, da esquerda à direita, dos partidos maiores aos mais pequenos.

Com as listas fechadas, com ou sem surpresas, as narrativas já estão montadas. Cada vez mais, o discurso político é objeto de estudos, testes e simulações, substituindo o improviso e a originalidade por estratégias calculadas. Os “focus groups” e os estudos de opinião permitem moldar o discurso à medida do que se acredita ser relevante para o eleitorado -- desde que exista vontade de o ouvir, claro.

Chega agora o momento de pôr em prática essas estratégias cuidadosamente desenhadas: injetar na narrativa a promessa certa, no tom certo, para o eleitor certo. O voto é caçado, e cabe à presa -- o cidadão -- resistir.

Mas talvez nem seja tão difícil. Afinal, nas seis semanas que nos separam das eleições, teremos não uma, mas três pontes e fins de semana prolongados, além do próprio fim de semana eleitoral.

Resta, pois, o próximo fim de semana para uma campanha “a todo o gás”, se houver máquina partidária que aguente. Depois, o fim de semana de 11 e 12 de maio, com o dérbi entre Benfica e Sporting, potencialmente decisivo para o campeonato, e a peregrinação a Fátima, que mobiliza milhares de fiéis de todo o país.

A campanha eleitoral acumula, assim, uma série de curiosidades: trata-se de um ato eleitoral que ninguém desejava, mas que todos permitiram. Terá como pano de fundo as pontes da Páscoa, do 25 de Abril, do 1.º de Maio, o dérbi lisboeta e as celebrações de 13 de maio. Junta-se ainda a lista de regressos e dos “desaparecimentos” -- esperados ou não -- ao hemiciclo de São Bento, e a certeza de que, mesmo como vereador, é preferível garantir um lugar no parlamento.

A nós, simples eleitores, cabe a árdua, mas nobre tarefa de afirmar que não nos resignamos, que não ficamos em casa, que não nos deixamos levar por sondagens, mas que também não mudamos de ideias conforme o mensageiro.

Uma boa ideia é uma boa ideia -- seja qual for a sua origem. E essa coerência -- que se constrói ao longo de anos -- não pode ser destruída nem esquecida. Pelo contrário: deve ser defendida, partilhada e fortalecida.

Porque, não podemos continuar a ter eleições que ninguém quer, mas que ninguém consegue evitar qual espuma dos dias.

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