Educação Superior e Democracia: O Imperativo da Reforma Estrutural
A força de uma sociedade democrática reside na capacidade de assegurar a todos os cidadãos um acesso equitativo ao conhecimento. No entanto, em Portugal, o Ensino Superior encontra-se hoje numa encruzilhada. As transformações tecnológicas, a revolução digital e as exigências de um mundo globalizado tornaram obsoletos muitos dos modelos e estruturas que ainda regem o sistema educativo. É urgente uma reforma profunda, uma reconfiguração legislativa e uma estratégia de investimento que garantam a sustentabilidade, qualidade e inclusividade da educação superior. Sem um compromisso político firme, o país corre o risco de comprometer não apenas a formação académica das novas gerações, mas também a própria capacidade de inovar e competir num mundo cada vez mais exigente.
Portugal enfrenta um momento decisivo, pois as eleições vindouras exigem a apresentação de um programa político inovador, que coloque o Ensino Superior no epicentro das prioridades nacionais. A premissa de que o Capital Humano constitui a maior riqueza do país fundamenta a necessidade de investir na qualificação científica e técnica dos cidadãos (jovens e adultos), potencializando o desenvolvimento de competências indispensáveis à era digital.
É imperativo que os partidos com perspetivas de ser governo apresentem propostas estruturadas e abrangentes, que transcendam os debates tradicionais e se orientem para a criação de um novo contrato social na educação. A integração precoce das novas tecnologias no processo de ensino e aprendizagem deve ser uma diretriz central, de modo a capacitar as futuras gerações para os desafios de um mercado globalizado.
O atual modelo de governação das Instituições de Ensino Superior (IES) necessita de uma revisão urgente. A legislação vigente, descontextualizada face às exigências contemporâneas, impõe estruturas administrativas excessivamente burocratizadas e pouco flexíveis, limitando a capacidade de resposta às mudanças rápidas do setor. A autonomia universitária deve ser reafirmada, mas acompanhada de mecanismos de responsabilização eficazes, garantindo que os recursos públicos são geridos com eficiência e alinhados com as necessidades sociais e económicas do país.
Um novo paradigma de governação deve promover maior ligação entre universidades, setor privado e administração pública. Não se trata apenas de fomentar a empregabilidade dos diplomados, mas de garantir que o Ensino Superior está verdadeiramente integrado na dinâmica de desenvolvimento do país. A cooperação com empresas, com autarquias, centros de investigação e instituições internacionais deve ser estimulada por via de incentivos fiscais, parcerias público-privadas e programas de cofinanciamento.
Nenhuma reforma educativa será bem-sucedida sem uma revisão do estatuto dos docentes do Ensino Superior. O sistema atual está marcado pela precariedade laboral, com uma percentagem alarmante de professores convidados e contratos a termo que comprometem a continuidade do ensino e da investigação. A dignificação da carreira académica passa pela criação de mecanismos que garantam progressão baseada no mérito, estabilidade contratual e condições que permitam conciliar docência e investigação.
A promoção da formação pedagógica contínua é outra peça-chave para assegurar qualidade no ensino. A atualização didática e tecnológica não pode ser opcional, devendo ser incentivada através de programas de capacitação financiados pelo Estado, com enfoque nas metodologias inovadoras e no uso de recursos digitais. O Processo de Bolonha introduziu uma nova arquitetura curricular no Ensino Superior europeu, mas muitas das suas promessas continuam por cumprir. A aprendizagem centrada no estudante, a flexibilidade curricular e a articulação entre ensino e mercado de trabalho têm sido aplicadas de forma desigual e, por vezes, superficial. É fundamental garantir que as IES adotam metodologias ativas de ensino, promovem a interdisciplinaridade e incentivam formas de avaliação mais alinhadas com a realidade profissional.
A transição digital não pode ser reduzida à distribuição de equipamentos ou à digitalização de conteúdos. Trata-se de uma revolução pedagógica que exige investimento em infraestruturas, formação docente e desenvolvimento de materiais de qualidade. A educação a distância, particularmente, deve ser valorizada como um instrumento de democratização do acesso ao ensino, garantindo que a qualidade da formação online é equivalente à presencial.
O financiamento das IES e da investigação científica deve ser visto como um investimento estratégico, não como uma despesa. O subfinanciamento crónico das universidades compromete a qualidade do ensino, limita a capacidade de retenção de talento e enfraquece a posição do país no panorama internacional da investigação. Urge uma revisão do modelo de financiamento público, garantindo previsibilidade e estabilidade orçamental para as IES. É essencial reforçar os incentivos à investigação aplicada e à colaboração entre universidades e empresas, promovendo a transferência de conhecimento e a inovação.
O mundo está em transformação acelerada. A fragmentação dos blocos políticos, a desindustrialização, a precarização do trabalho e o crescimento das desigualdades ameaçam os fundamentos das democracias modernas. O avanço do populismo e da desinformação coloca em risco a capacidade dos cidadãos de participarem ativamente na sociedade. A Educação Superior deve assumir-se como um pilar central da resposta a estes desafios, capacitando cidadãos para enfrentar um mercado de trabalho em mutação, combatendo a desigualdade e reforçando os valores democráticos. Apenas um compromisso político firme e estruturado permitirá construir um sistema educativo inclusivo, dinâmico e preparado para liderar o futuro.
Portugal tem todas as condições para se tornar uma referência no domínio da Educação Superior e da Ciência, mas isso exige uma visão estratégica clara e um compromisso político firme. As reformas necessárias não são simples, mas são urgentes. A modernização da governação das IES, a revisão do estatuto da carreira docente, a implementação das inovações pedagógicas de Bolonha, a transição digital e o reforço do investimento são passos essenciais para garantir que o nosso sistema educativo e científico esteja preparado para os desafios do futuro.
Este é o momento de agir. É urgente um novo contrato social para a Educação. A Educação e a Ciência são os alicerces de uma sociedade mais justa, mais inclusiva e mais competitiva. Não podemos falhar neste desígnio nacional. O futuro do país depende das escolhas que fizermos hoje.
Portugal precisa de um novo contrato social para a Educação Superior. Um contrato que não apenas reafirme a importância do ensino e da investigação, mas que assegure os recursos e as reformas necessárias para transformar o potencial académico e científico do país em motor de desenvolvimento.
A educação não é apenas um direito fundamental; é a chave para uma sociedade mais justa, inovadora e competitiva. Cabe ao próximo governo assumir este desafio com coragem e determinação. O futuro do país depende disso.
Domingos Caeiro
(Vice-reitor da Universidade Aberta; o texto reflete uma opinião pessoal)