O populista perfeito

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Luís Nuno Rodrigues é doutorado em História Americana. E fez o curso no Wisconsin, uma parte da América longe de Washington, Nova Iorque ou Los Angeles. Das suas leituras e investigação, e da vivência nos Estados Unidos, resulta uma capacidade de interpretação da realidade que só nos ajuda a compreender as eleições presidenciais deste ano, em que um dos grandes partidos tradicionais acabou por escolher um candidato mal-amado e que as sondagens preveem que seja perdedor. Conclui o professor do ISCTE-IUL que "A América de Trump sempre existiu", título aliás do ensaio que hoje publicamos no DN.

E que América é essa? É a América dos "homens, brancos e pobres", como escreveu a revista The Atlantic, é a América do anti-intelectualismo, é a América do nativismo, que recusa a vocação de país de imigrantes, é a América dos que se sentem ameaçados, inseguros, e é também a América que está, afirma Luís Nuno Rodrigues, "contra uma Casa Branca demasiado liberal que procura impor os seus valores ao resto do país, contra um Congresso facilmente corruptível, contra um Supremo Tribunal onde os juízes liberais podem fazer os seus pontos de vista". Que estas denúncias de Trump tenham pés de barro é questão de pormenor para aqueles que o apoiam e que nas primárias republicanas o levaram a derrotar favoritos com Jeb Bush ou Ted Cruz.

Escreve também o académico português que o magnata do imobiliário é "o populista perfeito", uma etiqueta atribuída pelo historiador Michael Lind. Ora, a história do populismo revela que a sua força, seja nos Estados Unidos seja na Europa, cresce em função da crise económica e social do momento. Por isso, a par do fenómeno Trump, os sucessos eleitorais de Marine Le Pen em França e do candidato da extrema-direita na Áustria, onde teve 49% dos votos nas presidenciais e pode ainda ser eleito, pois estas vão ser repetidas.

Contudo, se a Europa está em crise, é difícil, digo eu, concluir o mesmo sobre os Estados Unidos. É certo que o impacto da globalização até pode ameaçar os postos de trabalho de muitos entusiastas de Trump, mas Barack Obama vai deixar a Casa Branca com um legado de uma América que vê a economia a crescer (2,4%) e o desemprego a baixar (4,9%) e isso até deveria dar garantias de vitória a Hillary Clinton, democrata como o presidente cessante. Mas Trump insiste que é ele que vai tornar a "América grande de novo" e há uma massa de eleitores disponível para acreditar.

Dizem as sondagens que por fim os exageros de Trump começam a refletir-se nas suas hipóteses de chegar à presidência. Hillary Clinton tem boas condições para se tornar a primeira mulher a liderar a nação mais poderosa do mundo, tal como Obama se tornou em 2008 o primeiro negro. E é essa América que avança para uma sociedade pós-machista e pós-racial que devemos admirar. O que não significa que a outra, a trumpista, não exista. Esperemos que o tal populista perfeito não inverta a relação de forças, mesmo que também seja verdade que os Estados Unidos têm obrigação de sobreviver a um presidente Trump se, contra todos as expectativas, esse for o resultado da ida às urnas a 8 de novembro.

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