Ideologia não entra
Nos últimos dias, Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas afinaram a pontaria e alinharam o argumentário contra o governo, tomando por rastilho a chamada guerra dos colégios. Indignados, os líderes do PSD e do CDS decidiram acusar António Costa e os seus ministros de, imagine-se o espanto, prosseguirem "uma agenda de esquerda". E, não contentes com a descoberta da pólvora seca, espantaram-se pelo facto de as decisões tomadas pela atual maioria que suporta o governo serem "ideológicas". Enfim, um dia destes ainda os ouviremos exigir a queda do governo porque, vade-retro, só faz política. Mas vamos ao essencial. De acordo com todos os dicionários - nem era preciso recorrer a nenhum - ideologia significa conjunto de ideias, convicções e princípios filosóficos, sociais e políticos que caracterizam o pensamento de um individuo, grupo, movimento, época ou sociedade. Ou seja, ideologia é aquilo que é suposto ser o bilhete de identidade dos partidos e do pensamento daqueles que neles militam. E é por causa delas, das ideologias, que nas eleições os eleitores votam em A e não em B ou C, e escolhem o candidato X em vez do Y. São as ideologias, mais ou menos vincadas mas ideologias, que fazem a diferença. Por exemplo, nos últimos quatro anos e meio Passos Coelho e Assunção Cristas estiveram num governo com a firme convicção de que era preciso empobrecer para que o país deixasse de viver acima das suas possibilidades, com a ideia fixa de que era preciso ser subserviente ao diretório europeu para que os portugueses se dessem ao respeito, com o princípio filosófico de que o Estado tinha de emagrecer os apoios sociais porque só assim se punha fim a uma determinada cultura de subsidiodependência, com o propósito assente de que o Estado é coisa maligna que só atrapalha e que, por isso, deve ser reduzido ao mínimo senão mesmo desaparecer. Tudo isto é ideológico e, goste-se ou não, foi sufragado pela maioria em 2011. Aquilo que se exige a um governo, seja ele qual for, é que cumpra e respeite a ideologia à boleia da qual foi eleito. Agora, o que é assustador é a aparente volatilidade de pensamento de certas lideranças em função das conveniências conjunturais que conduz a esta espécie de Clube do Bolinha onde ideologia não entra. Isto é, será que Pedro Passos Coelho, afinal, não acredita em nada do que esteve a fazer e a impor enquanto foi primeiro-ministro? É que, se assim foi, tremamos todos, de que serviu afinal o pesadelo em que vivemos nos últimos quatro anos e meio?