Costa, o educador
Depois de termos tido um primeiro-ministro que nos exortava a não sermos piegas, que nos convidava à emigração como alternativa e nos recomendava que fôssemos poupadinhos e orientados para vivermos de acordo com as nossas posses, temos hoje um chefe de governo que se arroga no direito de nos aconselhar, para fazer face ao aumento dos impostos indiretos, que deixemos de fumar, que andemos de transportes públicos e que sejamos moderados no recurso ao crédito. António Costa podia, e devia, ter-se limitado a reconhecer como Mário Centeno que o Orçamento para 2016 inclui uma "indubitável" subida da carga fiscal. Podia ter-se ficado pela denúncia justa à falta de autoridade moral de PSD e CDS que, quais virgens ofendidas, vieram, sem se rir, denunciar "um grande aumento de impostos". Podia, inclusive, ter feito o autoelogio sem correr o risco de vitupério pelo sucesso político das negociações com Bruxelas que fizeram prova de que, afinal, há alternativas à austeridade cega e insensível dos últimos quatro anos. Mas não. António Costa quis ir mais longe e investiu-se no papel de grande educador das massas, socorrendo-se de um moralismo quase serôdio. Diz António Costa que "se fumarem muito, se meterem muita gasolina e se contraírem crédito, parte do que ganham no IRS consumirão nos impostos". Ora bem, aquilo que se exige a um primeiro-ministro é que governe, de preferência bem, e não que dê bitaites sobre aquilo que cada um de nós deve ou não fazer na sua vida privada. Bem sabemos que a tentação moralista dos governos é grande. Ainda me lembro quando em 2012 o então ministro da Saúde anunciava a intenção de proibir o fumo do tabaco dentro dos carros desde que houvesse crianças abordo. Como se a regra elementar para tudo na vida não tivesse de ser o bom senso em vez da intrusão abusiva do Estado ou de um qualquer primeiro-ministro. Aquilo que se exige a António Costa, como a qualquer chefe de governo, é que cumpra aquilo com que se comprometeu e que defenda o interesse nacional. Deixando para nós, sem paternalismos, o zelo pelos interesses particulares. Além de que, talvez António Costa não tenha percebido, os seus "conselhos" são um contrassenso. Recomendar parcimónia no consumo é contribuir para um rombo nas receitas fiscais, que é o contrário do que se pretende quando se aumentam os impostos. Enfim, de um primeiro-ministro exigimos que governe. Se quiséssemos educadores escolhíamos outros.