E se surgisse o partido do "Basta de Centralismo"?
Há muito que se diz, com amargo humor, que “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”. Esta semana, os dados divulgados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) voltam a confirmar a inquietante verdade desta expressão: o país continua a concentrar em Lisboa o emprego mais qualificado, os salários mais elevados e a maioria das empresas de maior valor acrescentado. É um movimento que se alimenta de si próprio, uma espiral que se reforça ano após ano, bloqueando o desenvolvimento fora da capital. É aquilo que me atrevo a designar por plafonamento do desenvolvimento nacional.
Esta dinâmica não é uma coincidência, nem se explica apenas pela natural concentração de atividades na capital. É, sobretudo, o reflexo de um modelo de desenvolvimento desequilibrado, cristalizado ao longo de décadas, que privilegia Lisboa e retira capacidade competitiva ao Norte, ao Centro e ao Interior. As políticas públicas de investimento, que deveriam ser motores de reequilíbrio, falham sistematicamente. Não falham por falta de programas ou fundos - Portugal tem beneficiado, desde a adesão à Comunidade Económica Europeia, de meios financeiros consideráveis para apoiar a coesão - mas porque tivemos sempre mais programas do que verdadeiras políticas de coesão.
O centralismo não se limita a atrair os melhores empregos e os maiores salários para Lisboa. Ele cria uma barreira invisível que desencoraja o investimento qualificado noutras regiões. Assistimos à fuga de talento, ao envelhecimento do interior e à incapacidade estrutural de reter empresas fora da órbita da capital. Mesmo medidas que aparentam ser um alívio - como a abolição das portagens no interior - acabam por ser paliativos que alimentam o desequilíbrio: não criam riqueza, não fixam populações, não geram verdadeiras oportunidades.
Fala-se de regionalização como quem repete um mantra. No discurso político, a coesão territorial surge recorrentemente. Mas entre a palavra e a ação existe um fosso. O investimento público de qualidade continua a cair preferencialmente onde o retorno eleitoral e económico imediato é maior: Lisboa e o seu entorno. O interior, por seu lado, permanece refém de apoios dispersos e projetos de curto alcance, incapazes de inverter a espiral de declínio.
Para que esta realidade algum dia se altere, os partidos do atual espetro partidário precisam de apanhar um susto que os abale. Falo do surgimento de um “Basta de Centralismo”, um partido da reação ao atual modelo de desenvolvimento, gasto e cheio de vícios, que nos atrasa o progresso. Tal como se observou com a ascensão do Chega, que agarrou em causas que os do arco do poder negligenciaram - embora focado apenas no populismo e sem quaisquer soluções -, um novo partido do anti-centralismo apresenta um potencial de crescimento eleitoral que pode abalar as estruturas dos incumbentes do poder.
As elites centralistas ainda não perceberam que a preservação do “seu” sistema viveu da impreparação do resto do país. Só que isso já não é assim e a surpresa pode surgir a qualquer momento. O balão irá rebentar, só não se sabe ao certo quando.
Professor catedrático