Os problemas nos hospitais nacionais fazem parte do nosso dia-a-dia. Se não são as listas de espera para as cirurgias, são os encerramentos dos serviços de urgências, quaisquer que eles sejam, mas também a falta de comparticipação de novos medicamentos ou as queixas de um paciente exigente que não percebe porque deixaram um bisturi dentro do seu estômago..Se alguém quer más notícias, basta dirigir-se a um hospital. Vai lá parar tudo: má nutrição, falta de exercício ou simples falta de higiene. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) parece o esgoto da pobreza nacional. Vai lá parar a pobreza económica, mas também a pobreza de espírito: vítimas de ases do volante; vítimas de pessoas que gostam de resolver os seus problemas com a violência; abandono social; ou muita descompensação mental alimentada por sentimentos mesquinhos como rancor, ódio ou inveja..Apesar de todos os dias se salvarem milhares de vidas, os portugueses são muito críticos do nosso SNS. É tudo inadmissível e inaceitável. A expressão mais usada é: “isto só em Portugal”. Mas de todo o mundo chegam constantemente relatos de tempos de espera absurdos, de tratamentos ineficazes e até recusa de tratamento (nos Estados Unidos quando não existe um seguro de saúde)..O retrato é calamitoso, mas ao menos existe um consenso: todos se queixam e todos pedem mais dinheiro. Os pacientes querem mais médicos; os médicos exigem melhores remunerações; e as administrações hospitalares querem mais orçamento. E, no entanto, o orçamento do Ministério da Saúde tem aumentado vertiginosamente nos últimos anos: de 7,5 mil milhões de euros em 2012 duplicou para cerca de 15 mil milhões em 2024..É uma tendência mundial. Os custos com saúde tendem a aumentar, graças a toda a panóplia de equipamentos e medicamentos que todos os anos chegam de novo ao mercado. E a tendência é de agravamento. Os contribuintes colocam muito dinheiro no Ministério da Saúde e apesar disso, aparentemente, os que lá trabalham e os que lá acorrem, estão pouco satisfeitos. Será possível inverter o ciclo de negatividade?.Pensar diferente.Quando parece que não há solução, quando qualquer que seja a intervenção os problemas nunca se resolvem, é a hora derradeira para a criatividade entrar em ação. Não é a hora certa, porque para pensar diferente e encontrar melhores soluções servem todas as horas, mas é o momento em que há maior disponibilidade para novos modelos serem aceites e adotados..Consta que Calouste Gulbenkian (o próprio, não a Fundação com o seu nome) pagava ao seu médico quando não estava doente. Não tenho a certeza que esta história seja verdadeira, mas sintetiza a base de um sistema de saúde do futuro, mais eficaz e, esperemos, a custos controláveis..Toda a fileira da medicina está orientada para a cura das doenças. Os médicos são formados em diagnosticar doenças e a poderosa indústria farmacêutica enriqueceu a vender medicamentos mais ou menos curativos. São raros os médicos que prescrevam caminhadas, meditação ou sexo. E também são poucos os pacientes que ficam satisfeitos quando saem de um consultório sem uma caixa de comprimidos para aviar. Tudo funciona em círculo, e é difícil romper o modelo..Mas o futuro da Saúde passa pela mudança do modelo da medicina curativa existente, para um modelo de medicina preventiva. Tal como Gulbenkian, deveríamos ir ao médico para vivermos com saúde, e não para irmos morrendo com doenças. Melhor ainda: não somos nós que devemos ir ao médico, é o médico que deve vir ter connosco. Todos os dias. Impossível?.O princípio da medicina preventiva exige uma monitorização permanente do nosso estado de saúde, para que seja possível atuar o mais cedo possível perante as ameaças. Mais do que isso: importa criar uma atitude pedagógica consistente de promoção dos hábitos saudáveis que evitem o máximo de doenças. E isso não se faz indo uma vez por ano ao médico..O conhecimento resolve.A solução é a tecnologia e não é uma utopia. Existem algumas empresas portuguesas a trabalhar nesta visão de futuro, e investigadores da Universidade de Stanford já apresentaram a sanita inteligente 2.0. Como todos dias fazemos necessidades, se revestirmos as paredes da sanita com sensores, podemos analisar diariamente a evolução do nosso estado de saúde. O historial que se cria é a grande revolução nos cuidados de saúde..Por sua vez, estes sensores podem estar ligados a um sistema computacional que, em caso de necessidade, emite de forma automática o primeiro alerta: “atenção que a vodka de ontem estava marada. Recomendamos pelo menos cinco dias sem consumo de bebidas alcoólicas”. Ainda não saímos da casa-de-banho, e o médico já sabe o que se passa connosco. Se a situação persistir é enviada outra mensagem com um tom de aviso de perigosidade superior..As pessoas podem pensar que uma máquina nunca substituirá um médico humano. Para muitos atos médicos de facto não o farão, mas para analisar dados e fazer diagnósticos técnicos, as máquinas já o fazem melhor, fazem-no muito mais depressa (no momento, quando é preciso, sem esperas), com mais rigor técnico e com custos muito mais baixos para o erário público. Com a adoção progressiva da IA tudo irá melhorar muito. A sanita é uma forte candidata a médico de família do futuro..Se a situação se agrava, apenas num terceiro nível de intervenção é que o paciente entra em contacto direto com um médico humano, e ainda por videoconferência, provavelmente com a recomendação de fazer exames mais profundos. Pelo que só num quarto nível fará sentido haver uma consulta presencial, já com um histórico bastante desenvolvido de dados, o que permite ao médico fazer melhores escolhas..É verdade que ainda não existe tecnologia completa para uma medicina preventiva. Mas está bastante desenvolvida, e não consigo conceber melhor desafio para o Estado do que incentivar uma investigação que vai melhorar substancialmente a vida dos nossos concidadãos, mas também vai ajudar a controlar o crescimento galopante dos custos em saúde, que incompreensivelmente corre a par das queixas dos pacientes/eleitores. Aliás este deveria ser o verdadeiro papel do Estado: pela sua dimensão e vocação, deveria criar a cultura de promoção de novas tecnologias. Criar espaço para as empresas inovadoras aparecerem e crescerem, é a maneira mais inteligente para estar na economia..O futuro até pode nem passar pela sanita. Os sensores até podem estar dentro do nosso corpo a monitorizar ao segundo. Há sempre algo novo a aparecer, pelo que é difícil adivinhar o futuro. Mas a solução será sempre a nossa capacidade de pensar diferente, para resolvermos melhor os problemas. Arrisco que as dificuldades tecnológicas serão resolvidas muito mais depressa, do que a maior dificuldade de todas: as mentalidades de quem faz o mesmo há demasiado tempo. A revolução está nas nossas cabeças.