É preciso mais dinheiro para dar casa às famílias portuguesas

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Épreciso encontrar forma de financiar todas as casas que são necessárias para dar resposta às 90 mil famílias em condições habitacionais indignas. Espera-se noção das prioridades e coragem por parte do Governo.

Aqueles que leem estas linhas dispõem, muito provavelmente, de uma casa que satisfaz as suas necessidades. Talvez por isso não tenham efetiva consciência de que muitos não têm uma casa digna desse nome.

Nas minhas funções, tomo contacto diário com situações de precariedade habitacional. Apenas alguns exemplos: uma família de quatro pessoas - entre as quais um recém-nascido de quatro semanas - alvo de uma ação de despejo a curto prazo, por não-renovação de arrendamento; famílias a viver em caves sem um mínimo de condições; cidadãos que fizeram do carro a sua casa, pois é a única forma de terem um “teto”.

Em Vila Real de Santo António, pequeno município algarvio a cuja Câmara Municipal presido há apenas três anos, temos identificados 1187 agregados familiares, num total de 3031 pessoas, em condições habitacionais indignas. Reforço esta palavra: indignas.

No resto do país são cerca de 90 mil famílias. Perante estes números avassaladores, os decisores políticos mobilizaram-se e criaram mecanismos para a construção, aquisição e recuperação de habitações, com vista a disponibilizar habitações condignas a quem não as tem.

Foi também encontrado financiamento. Pela primeira vez, os fundos comunitários podem ser utilizados para este fim e no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) foram canalizados cerca de 3,2 mil milhões de euros.

As autarquias têm sido atores fundamentais neste novo desígnio nacional. Seja através do levantamento das condições habitacionais, seja na definição das suas Estratégias Locais de Habitação, por exemplo.

Mas - há sempre um “mas” - o dinheiro disponibilizado pelo PRR não chega para dar resposta às necessidades identificadas. Isso mesmo foi abordado num excelente trabalho da jornalista Fernanda Câncio, publicado pelo Diário de Notícias esta semana.

Às mesmas conclusões da referida peça jornalística já os autarcas tinham chegado, diga-se. E, como tal, a Associação Nacional de Municípios manifestou há algum tempo ao Governo a sua preocupação e a necessidade de encontrar verbas para as cerca de 27 mil casas necessárias, para além das que vão ser financiadas pelos fundos europeus.

Quero ser claro: seguramente que nenhum autarca deste país vai querer fazer política partidária, no mau sentido do termo, com estas questões da habitação. Estamos todos do lado da procura de soluções e esta matéria não poderá ser uma arma de arremesso contra quem quer que seja.

Mas, com a mesma clareza, digo que a possibilidade aventada pelo Executivo de a verba em falta ser financiada - no todo ou em parte - pelo orçamento das câmaras municipais não é viável. As autarquias não têm possibilidade de canalizar os seus magros orçamentos para aquela que é uma responsabilidade do Estado central.

Para o fazer teriam de deixar de cumprir com muitas das suas obrigações legais. E isso teria um impacto terrível na vida das pessoas.

Neste momento impõe-se que o Governo rapidamente encontre o financiamento necessário. Para o fazer será preciso muito mais do que um PowerPoint apresentado no final do Conselho de Ministros.
Será necessária uma noção clara das prioridades. E coragem política. Muita.

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