Robert Kagan escreveu em 2004 um artigo sobre as diferenças entre os Estados Unidos e a União Europeia, chamado “Paraíso e Poder”. Kagan, um académico americano, argumentava que a UE vivia num mundo baseado na lei, na diplomacia, na integração económica e no apoio ao desenvolvimento, enquanto que os Estados Unidos viviam num mundo onde as Forças Armadas desempenhavam um papel fundamental na proteção e na promoção dos seus interesses nacionais. E acrescentava que era graças ao poder de Washington que a Bruxelas podia viver no seu paraíso de paz perpétua. O Presidente Trump encarregou-se de demonstrar que Kagan tinha razão.Se quisermos uma medida rápida do quanto tudo mudou desde que Trump tomou posse, basta pensar que no último mês as organizações internacionais que contribuíam para a gestão do mundo nos últimos 80 anos estão todas em crise: a ONU assiste ao desintegrar da sua Carta, enquanto tenta sobreviver à asfixia financeira que lhe impôs; a NATO avança para a irrelevância, se os EUA ignorarem as obrigações de defesa mútua que a justificam; e a Organização Mundial do Comércio, que já estava semi-inválida, assiste impotente ao regresso de guerras comerciais que não irão deixar ninguém melhor.E a União Europeia? Ao despertar abruptamente do seu longo sono de beleza, vê-se a braços com um conjunto de desafios com os quais não está preparada para lidar. De facto, quando o seu mundo passa do paraíso para o poder, Bruxelas olha-se ao espelho e percebe que as instituições, os tratados, a legislação e os mecanismos que são a base da sua existência são relevantes nas guerras comerciais que se aproximas, mas inúteis no que toca ao poder militar e à capacidade política para os utilizar.Ou seja, inútil no que mais falta nos faz. Aliás, basta pensar que à hora em que escrevo, todas as recentes iniciativas europeias foram tomadas pela França, alargando os convites ao Reino Unido e ao Canadá e ignorando a Hungria e a Eslováquia, e não das instituições da União Europeia. E ainda bem que António Costa tem resistido à tentação de convocar uma reunião de líderes da UE, pois a última coisa de que precisamos neste momento é de uma demonstração da incapacidade da União - que nada fará até sabermos quem governará a Alemanha e veremos o que fará depois disso - em chegar a uma posição concreta e eficaz para lidar com os cacos do paraíso que Trump se encarregou de destruir.O que nos resta então fazer neste novo mundo em que Washington e Moscovo (sob o olhar atento e paciente de Pequim) parecem estar a construir? As democracias europeias não estão sozinhas e muitas outras estão certamente tão atónitas e preocupadas quanto nós. É, portanto, chegado o momento de mobilizar as democracias da Europa, Canadá, México, Brasil, África do Sul, Coreia do Sul, Japão, Austrália, Nova Zelândia e tantas outras nos cinco continentes, juntando os meios e a vontade para procurar influenciar o rumo dos acontecimentos e construir uma nova comunidade internacional que salve o tanto de bom que os últimos 80 anos nos deixaram, ao mesmo tempo que corrija o muito que precisa de ser mudado, nomeadamente uma voz igual dos países em desenvolvimento nos assuntos que são de todos.É sempre possível nada fazer, mas isso significaria atirar para o caixote de lixo o melhor período que a Humanidade conheceu na sua longa História, que foi e é por vezes brilhante e tantas outras vezes trágica.Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL