Dos problemas estruturais no “centro desenvolvido” à sua superação

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A I Revolução Industrial, que ocorreu na segunda metade do século XVIII e no século XIX, que teve como sector motor o têxtil e país líder a Grã-Bretanha, foi condicionada por um paradigma neo-clássico.

A II Revolução Industrial, que começou a surgir em finais do século XIX, princípios do século XX, teve como sectores motores as telecomunicações e, mais tarde, os sectores automóvel e da aeronáutica, desempenhando os EUA um papel de liderança, caracterizou-se por surgir numa fase em que, a partir dos anos 30 do século passado, a doutrina dominante era a do que se convencionou designar de “Pacto Keynesiano”.

A III Revolução Industrial teve, para alguns, início na década de 50 do século passado e para outros na década de 70 do mesmo século, tendo os sectores motores sido os das telecomunicações, da informática e da robótica (aplicada, por exemplo, à indústria automóvel), sendo os EUA, o Japão e a Alemanha os países líderes. O paradigma neo-liberal tendeu a ser dominante, a partir dos anos 70.

A IV Revolução Industrial e de Serviços está em curso desde alguns anos a esta parte, sendo a economia digital, a energia e a saúde os sectores motores e os países líderes os EUA e a China.

A IV Revolução Industrial começou a desenhar-se quando a III Revolução entrou em declínio nos anos 90 do século passado e em princípios do século XXI, com a desaceleração do crescimento económico nos países industrializados, a deslocação das curvas de Phillips para a direita nas economias do “centro” (implicando o aumento da Natural Rate of Unemployment) e, ainda, com a perda de sensibilidade do mercado de trabalho à Lei de OKUN.

Logo, no princípio do século XXI, tínhamos o “centro desenvolvido” em para-estagnação (embora com os EUA com um comportamento mais favorável), o desemprego a subir e o SBT-Sector de Bens Transaccionáveis a não conseguir atenuar a insensibilidade do mercado de trabalho à Lei de OKUN.

Tal facto devia-se à tendência para se investir no sobredito SBT (mais ligado às exportações), o qual utilizava combinações produtivas capital-intensivas, não contribuindo para reduzir o desemprego tanto como seria desejável.

Todavia, ocorreram mudanças na economia mundial.

Em primeiro lugar, a emergência da IV Revolução Industrial e de Serviços, que vai, em princípio, permitir agilizar os processos administrativos, reduzir os custos com a energia e aumentar a longo prazo a esperança de vida, o que possibilita a criação de novas oportunidades de negócio (desde o turismo de saúde ao turismo de terceira idade).

Em segundo lugar, com o surgimento das correntes favoráveis às estratégias de crescimento “a duas velocidades”, em que a par da canalização de investimento para o SBT (Export Led Growth Model) também deve canalizar-se recursos para o SBNT- Sector de Bens Não Transaccionáveis ou de economia doméstica (Endogenous Led Growth Model), mais utilizador de combinações trabalho-intensivas ou de tipo intermédio (exemplo das infraestruturas de enquadramento).

Esta evolução constitui uma “porta de saída” para a situação crítica com que se confronta o “centro desenvolvido”.

Todavia, o mesmo “centro desenvolvido” passou a estar, recentemente – mais concretamente, desde 2022 –, confrontado com outro problema: o da emergência de um projecto de nova ordem internacional norteado pela defesa das teses realistas, da realpolitik, da prevalência do bilateralismo sobre o multilateralismo, da análise da correlação de forças no “campo de batalha”, de um tropismo proteccionista e do regresso a modelos “autocráticos”.

O que está a condicionar a evolução da situação mundial já não é, fundamentalmente, a economia, mas sim e de forma determinante, a política, o “regresso às origens”, o regresso às teses do “quero-posso-mando”, de tipo para-medieval.

E, assim sendo, não haverá IV Revolução Industrial e de Serviços que possa assegurar a superação dos estrangulamentos estruturais com que a economia internacional se defronta.

Do que se disse resulta que, se pretendermos solucionar os problemas económicos do Mundo, temos que regressar à política, que o mesmo é dizer, à defesa de valores: os valores da liberdade, da tolerância, do direito internacional, do multilateralismo e, acima de tudo, da combinação do ímpeto reformista com a convivência pacífica, sem espartilhos autoritários e sem tutelas geridas a partir das mais diversas formas de ilegitimidade.

Nem mais, nem menos…

Economista e professor universitário

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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