Dois pesos. Duas medidas
Há muito que nos habituamos, coletivamente, à ideia de que um Estado competente, capaz e que retribua em serviços e apoio os impostos que coleta aos cidadãos é uma consequência direta da atuação dos Governos, que no Portugal em democracia foram sempre formados por duas cores principais (com outras, por vezes e por conveniência, à boleia): rosa PS (mais vezes) e laranja PSD.
É claro que as alterações políticas imprimidas pelos Governos democráticos têm e tiveram um papel no rumo que a Administração Pública segue, mas o bom ou mau funcionamento resultará antes de mais dos hábitos enraizados desde há décadas numa máquina atualmente com 754 mil almas (um novo recorde batido no início do ano). Uma máquina que, devido ao seu enorme peso eleitoral, tem ficado isenta de reformas de fundo e que se transformou num Leviatã pós-hobbesiano que atua com uma vontade coletiva própria, conscientemente alheia ou contra o que pensam os ministros que vêm e vão.
Há exemplos disto em muitos departamentos da Administração Pública. Como nos conta, neste edição, a Cynthia Valente, há professores com 20 anos de serviço que nunca foram chamados a uma consulta de medicina do trabalho. O mesmo Estado que obriga as empresas privadas a pagar por estas consultas obrigatórias por lei; o mesmo Estado que fiscaliza - por meio da Autoridade para as Condições do Trabalho - se as empresas privadas as fazem; o mesmo Estado que aplica coimas para quem não as faz. É o mesmo Estado que não cumpre o código do Trabalho no que toca à medicina do trabalho para os professores, que não faz um rastreio de quem está apto ou para trabalhar sem restrições. Na prática, que lhes retira um direito.
Os ministros da Educação sucedem-se, prometem uma resolução para este caso claro de “dois pesos e duas medidas”, mas ou nunca quiseram cumprir a palavra ou a sua vontade tem esbarrado, desde há anos, no “veto de gaveta” da máquina administrativa.
Se não é assim, quem é responsável, como nos revela a Fernanda Câncio nas páginas de Economia, pelo facto de o Fisco não atribuir uma isenção de IMI a muitos senhorios que a ela têm direito por terem as rendas congeladas? O decisor político traça um rumo, e a mentalidade de colmeia da máquina decide de outra forma. E para quem reclama, a Autoridade Tributária tem uma resposta que não admite, de forma alguma, ao contribuinte: “primeiro pague e depois reclame”.
Ao cenário de um Estado incapaz de servir muitos dos seus cidadãos na Saúde, levando-os a pagar adicionalmente pela oferta privada; de um Estado que não consegue proporcionar igualdade no acesso a oportunidades de ensino aos miúdos, junta-se a ideia instalada de que os dois principais partidos não conseguem gerar força e músculo para reformarem a máquina estatal. Pelo menos até a um ponto em que os cidadãos e as empresas sintam que são servidas pela máquina na mesma medida em que a alimentam.