Dois desafios para os partidos políticos (parte II)
Na continuidade do texto da passada semana, um segundo desafio aos nossos partidos: o de assumir radicalmente um exercício mais transparente e mais temporário dos cargos políticos e dos cargos partidários.
Podendo parecer um ataque ao direito a ser eleito e ao direito ao exercício de cargos políticos e partidários, não o é: é uma proposta de limitação a estes direitos, fundamentada na necessidade de esse exercício dever ser partilhado continuamente com novos participantes, enriquecendo a vida pública e das instituições e limitando o caciquismo, o clientelismo e a dependência pessoal, a confusão entre uma função pública e um cargo partidário e provocando uma mais efetiva alternância de pessoas e de ideias.
Esta rotura e este apelo direto a novos intervenientes consistiria, de início, num conjunto de novas regras, em que se integrariam propostas como a fixação interna nos partidos de regras de autolimitação no cumprimento de mandatos à Assembleia da República, Assembleias Legislativas Regionais e Assembleias Municipais, por forma a que nenhum deputado ou membro eleito pudesse servir mais de três legislaturas ou mandatos seguidos, ou um período máximo contínuo de 12 anos. Associar-se-ia a este exercício, a obrigatoriedade de publicação anual de um relatório da atividade política pessoal no cargo por parte de cada deputado à Assembleia da República, Assembleias Legislativas Regionais e Assembleias Municipais.
No mesmo sentido, fixar-se-ia a regra de que, apresentado a eleições ou indicado por um partido ou por seu eleito, nenhum membro de órgãos executivos, como o governo da República ou um governo regional, pudesse exercer essas funções de forma sucessiva, independentemente dos cargos em concreto, por um período superior a 12 anos - como já sucede parcialmente, aliás, nas autarquias e na Presidência da República.
De igual modo, nenhum militante de um partido deveria poder assumir cargos de direção ou de coordenação executiva, nacionais, distritais ou concelhios, durante mais de 6 anos consecutivos. E uma boa regra seria também a da proibição absoluta de pagamento de quotas ou de entrega de donativos (a serem necessariamente feitos por débito bancário em conta do militante, transferência bancária de conta do militante ou doador ou pagamento por multibanco de conta do militante), de inscrição de novo militante ou de mudança de secção local de um militante que não fosse pessoalmente feita pelo próprio interessado, com recebimento de comprovativo que pudesse ser consultado e validado posteriormente.
Será isto um ataque aos partidos? Um ataque a quem se dispõe e se realiza essencialmente na assunção de funções públicas? A meu ver, pretende ser apenas um mecanismo da democracia se proteger a si própria e impor a sua própria renovação em contínuo, chamando necessariamente mais pessoas e partilhando adicionalmente esse serviço em causas públicas.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa