Do valor do espanhol e do valor do português, ou da visão estratégica e da falta dela
O Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência espanhol (equivalente ao nosso PRR) prevê a atribuição de 140 mil milhões de euros de transferências e créditos europeus para o país entre 2021 e 2026. Deste plano foram até agora aprovados 11 PERTE (Projetos Estratégicos para a Recuperação e Transformação Económica), a saber: 1) para o desenvolvimento do veículo elétrico e conectado; 2) para a saúde de vanguarda; 3) de energias renováveis, hidrogénio renovável e armazenamento; 4) Agroalimentar; 5) Nova economia da língua; 6) Economia circular; 7) para a indústria naval; 8) Aeroespacial; 9) de digitalização do ciclo da água; 10) de microeletrónica e semicondutores; e 11) de economia social e dos cuidados.
O PERTE Nova economia da língua (NEL) foi concebido "como uma oportunidade para aproveitar o potencial do espanhol e das línguas cooficiais como fator de crescimento económico e competitividade internacional em áreas como a inteligência artificial, a tradução, a aprendizagem, a divulgação cultural, a produção audiovisual, a investigação e a ciência." O NEL conta com um orçamento de mil e cem milhões de euros (i.e. € 1 100 000 000) de investimento público e propõe-se mobilizar outros mil milhões de investimento privado.
São cinco os eixos que articulam os projetos impulsionadores do NEL, a saber: 1) Conhecimento em espanhol e línguas cooficiais (com a constituição de grandes acervos digitalizados de textos, o projeto Língua Espanhola e Inteligência Artificial, e o Observatório do Espanhol, para estudar a situação do espanhol no mundo); 2) Inteligência Artificial em espanhol (com a criação de uma Rede de Excelência em Inteligência Artificial e Programas de Línguas Acessíveis); 3) Ciência em espanhol (para divulgação nacional e internacional de ciência em espanhol e a geração e consolidação do património técnico científico nesta língua); 4) Aprendizagem do espanhol (criação de uma plataforma tecnológica única e segura para a aprendizagem e a certificação do espanhol como língua estrangeira e digitalização do Instituto Cervantes); 5) Indústrias culturais (para o desenvolvimento de produção audiovisual e videojogos e a digitalização de conteúdos e fundos documentais).
Por cá, o texto do PRR regista duas ocorrências da expressão "língua portuguesa": uma no âmbito das "Operações integradas em comunidades desfavorecidas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (250 M€)", com um projeto para "A elaboração de um diagnóstico das necessidades das populações e desenvolvimento de programas de literacia de adultos, de aprendizagem da língua portuguesa e de inclusão digital"; outra no âmbito das "Redes Culturais e Transição Digital (93 M€)", visando a "modernização da infraestrutura tecnológica da rede de equipamentos culturais" (...), a "digitalização de artes e património" (...) e a "internacionalização, a modernização e a transição digital do livro e dos autores - apoio à língua portuguesa e aos agentes ligados à cadeia de produção e comercialização do livro, isto é, autores, editores e livrarias, através do apoio à tradução de obras literárias, à edição de audiobooks e ebooks [sic], bem como à modernização e transição digital das livrarias." Entretanto, a maioria na AR chumba o ensino gratuito de português aos filhos dos emigrantes e as universidades vão discutindo se o português é um entrave à internacionalização e se não seria melhor adotar o inglês como língua de ensino.
A língua portuguesa merecia gente mais competente, não merecia?
Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa