Do Povoador aos Desertificadores

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Portugal assinalará, em menos de duas décadas, nove séculos de independência.

A partir do pequeno território do Condado Portucalense, e cumprindo os sucessivos “espíritos do tempo”, caminhámos para sul construindo o nosso território, navegámos os oceanos, conformámos novos países e regressámos à casa euro-atlântica.

Percurso difícil iniciado com a necessidade de conquistar novos territórios e o imperativo de sobrevivência materializado no exercício da soberania através da sua ocupação e povoamento.

Naqueles tempos longínquos o Rei e a Corte exerciam o poder a partir de Coimbra. Nascendo, vivendo e morrendo no Paço Real da Alcáçova.

Reinou, na mudança do Século XII para o Século XIII, Dom Sancho I, “O Povoador”.

Compreendeu aquele monarca medieval, que chegou a conquistar Silves, a efemeridade das conquistas de territórios se não os povoasse e desenvolvesse; se sobre eles não exercesse a soberania.

Concedeu forais e assim criou, ou deu dimensão, a cidades como Covilhã, Viseu, Bragança ou Guarda. E, não existindo, ainda, “territórios de baixa densidade”, entendeu que aos territórios fronteiriços era devido um tratamento mais favorável.

Oito séculos depois parece que as nossas prioridades para o território são outras.

Caminhamos, há décadas, para um país com menos população e com esta a concentrar-se em menores parcelas do território.

Ganha, por isso, uma especial dimensão simbólica a prioridade governamental recentemente enunciada: “No domínio da coesão territorial e vitalidade dos centros urbanos, será lançado um grande projecto de reabilitação da Área Metropolitana de Lisboa… ordenando o Arco Ribeirinho Sul, … reabilitando o Vale do Jamor e Algés e aproveitando os terrenos do Aeroporto Humberto Delgado”.

Tudo isto vem do passado e, nos últimos vinte anos, todos terão defendido soluções semelhantes.

Estes projectos, necessariamente de muito longo prazo, vão desenvolver-se num país que, diz-nos o INE, terá em 2080, 8M de habitantes: 1M de jovens, 3M de idosos e 4M de população activa; apenas 138 pessoas em idade activa para 100 idosos.

Aquele desígnio de política pública territorial vai materializar-se em cerca de 10Km2 de novas áreas urbanas, isto é, uma área equivalente a cinco vezes a do Mónaco, a 25% da área do Município do Porto, ou a 50% da área do Município da Amadora.

Seremos cada vez menos e viveremos concentrados na Área Metropolitana de Lisboa.

É uma opção!

Com estas opções não podemos surpreender-nos com fogos florestais que passam a urbanos, nem com conflitos que são imanentes a grandes concentrações populacionais.

Dom Sancho I viu o território para lá do Paço Real da Alcáçova.

Percebeu que não há Rei sem Reino.

Nós parecemos querer abdicar da soberania territorial.

São opções claras e públicas.

Nada dizer é ser cúmplice.


Advogado e gestor

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